Introdução
Num tempo de tantas heresias, de ideias
contraditórias, neste século quando fervilham propostas supostamente novas, é
oportuno estudarmos a antiga Palavra. Uma abordagem possível e proveitosa é
estudarmos os temas envolvidos nesse caldeirão, tentando descobrir respostas
para satisfação do próprio intelecto e coração e também para atacar ou se
defender de possíveis ataques. Mas um estudo sólido e sistemático da Palavra de
Deus pode fornecer-nos o embasamento necessário para quaisquer situações.
“Génesis” é um nome adequado. É um termo grego
que significa “fonte, origem” e foi escolhido por aqueles que traduziram as
Escrituras, do hebraico “no princípio” para o grego. Essa versão se tornou
conhecida como a “Sptuaginta” (frequentemente representada pelo símbolo LXX),
porque consta que o número dos tradutores era setenta. Foi elaborada para
atender aos judeus da “Dispersão” que habitavam no Egito e em outros países e
que haviam perdido a familiaridade com a língua de seus pais. Ambos os nomes
são apropriados, pois Génesis prepara o terreno para a plena compreensão da fé
bíblica.
Tem sido chamado
o viveiro das gerações da Bíblia, pelo facto de nele se encontrarem todos os
começos de todas as grandes doutrinas referentes a Deus, ao homem, ao pecado e
à salvação.
A palavra “gerações”
indica as sucessivas divisões do livro e o processo gradual pelo qual o
propósito divino vai-se concentrando numa linha especial de genealogia,
caminhando para que o conhecimento de Jeová se dê através de Israel. Notemos
essa palavra (ou termo semelhante) em 2:4; 5:1: 6:9; 10:1; 11:10, 27; 25:12,
19; 36:1; 37:2. Cada um desses versículos introduz uma nova secção, na qual são
apresentadas as “gerações” ou a descendência da pessoa ali mencionada. As
histórias de Ismael e Isaú constituem pequenas digressões que são logo
abandonadas, e a narrativa retoma a linhagem da promessa através de Isaque e
Jacó.
Génesis é o
primeiro dos cinco livros de Moisés, conhecidos como o Pentateuco e também
intitulado “a lei” (ver Lc. 24:44). Os autores do Novo Testamento unanimemente
atribuem a Moisés essa autoria (ver Mt. 19:8; Mc. 12:26; Lc. 16:31; Jo. 5:46).
Mas, sem dúvida, ele incorporou à narrativa tradições sagradas, passadas de pai
para filho desde os patriarcas, havendo indícios da mão de um editor,
possivelmente Esdras.
Quero
ser especialmente cuidadoso ao abordar este primeiro capítulo de Génesis.
A Bíblia não procura provar a existência
de Deus e nem sequer discute teorias sobre a Sua existência. Aquilo que a
Bíblia diz sobre Deus, não está registado para dar provas de verdades
empíricas, mas para desafiar a fé em Deus. Afinal, a fé vem pelo ouvir da
Palavra e não pelo comprovar os factos. Portanto, Ela simplesmente anuncia a
realidade de Deus pelo óbvio que é, pois não crer em Deus é pensar de maneira
falha e distorcida. Para observar o mundo físico e concluir que Deus não existe
requer malabarismos mentais extraordinários – tais como os da teoria da
evolução. A Bíblia declara: “diz o néscio
no seu coração: Não há Deus” (Sl. 53:1). E por quê?
“Por
causa do seu orgulho, o ímpio não O busca; todos os seus pensamentos são: “Não
há Deus” (Sl. 10:4). Na vida do tolo não há lugar para Deus.
Algumas teorias recentes e conclusões
dos cientistas têm contestado a interpretação tradicional do relato bíblico da
criação. Num esforço consciencioso para provar que a Bíblia é cientificamente
acurada, o Dr. B. B. Warfield expõe bem o problema:
“Uma
janela de vidro está diante de nós. Levantamos os olhos e vemos o vidro;
notamos a sua qualidade, observamos os seus defeitos e especulamos sobre a sua
composição. Ou olhamos através dele na perspectiva de ver além terra, céu e
mar. Da mesma forma, há duas maneiras de se olhar o mundo. Podemos ver o mundo
e ficarmos absorvidos pelas maravilhas da natureza. Essa é a maneira
científica. Ou podemos olhar diretamente através do mundo e ver Deus por detrás
dele. Essa é a maneira religiosa.
A maneira científica de olhar para o
mundo não é mais errada do que a maneira do fabricante do vidro olhar para a
janela. Essa maneira de olhar para as coisas tem um uso muito importante. No
entanto, a janela foi colocada não para ser observada, mas para observarmos
através dela, e o mundo falha em seu propósito a menos que também olhemos
através dele e os olhos repousem não nele mas no Deus que o fez.”
O
que podemos dizer com certeza é que o autor de Génesis não escreveu o relato da
criação para o fabricante de vidros, mas para pessoas como nós que param diante
da janela e admiram a paisagem através dela. Génesis foi escrito para que as
pessoas pudessem olhar através do vidro de seu relato para o Criador por detrás
do universo e ser admirado como tal. A Bíblia tem razão em cantar: “Quando me extasio a olhar o céu estrelado,
quando contemplo as noites de luar, e penso que foste Tu seu criador, eu me
pergunto: Que valor imenso não deve ter o ser humano, para estar sempre na tua
lembrança e ser tratado com tanto carinho?” (Sl. 8:3-4).
Génesis,
o portão da entrada da Bíblia, foi escrito para o povo de Deus, não para os descrentes.
É a primeira coisa que se vê, e quase a última a ser escrita! É a varanda
bonita, onde Deus recebe o povo oprimido que sofria no cativeiro, para
consolá-lo e animá-lo novamente para a caminhada. Não foi escrito para ensinar ciências, geografia ou história, mas
sim para devolver a fé, a esperança e o amor a um povo explorado, descrente e
desanimado de tudo, para ajudá-lo a reconhecer os seus erros, olhar o mundo com
um olhar mais crítico e descobrir sua missão como povo de Deus no meio da
humanidade. Os homens que se recusam a crer no criacionismo não o fazem por
ausência de factos ou de provas (cf. Rm. 1:18s), ou devido ao seu grande
conhecimento (Sl. 14:1), mas devido a ausência de fé (Hb.11:3). Génesis é muito
mais uma declaração do que uma defesa.
Por
isso, a primeira coisa de que precisamos para captar bem a mensagem de Génesis,
é sintonizar-nos na mesma frequência em que a Bíblia transmite a sua mensagem.
Precisamos de acertar os olhos com que lemos as histórias da Bíblia sobre a
origem do mundo e da humanidade. Pois a leitura ao pé da letra falsificou nosso
relacionamento não só com o texto bíblico que fala da criação, mas também com a
terra que nos sustenta.
O
panorama essencial à nossa compreensão do significado e da mensagem da criação
é o daqueles que primeiramente receberam este livro. Supondo que Moisés tenha
sido o autor de Génesis, o livro provavelmente teria sido escrito em alguma
época depois do êxodo e antes da entrada na terra de Canaã. Qual seria a
situação na época em que foi escrito este relato da criação? Quem recebeu essa
revelação e quais necessidades foram satisfeitas por ele? Isto é crucial à
correta interpretação e aplicação da mensagem da criação.
Muitas
vezes falhamos ao aplicar o primeiro capítulo de Génesis de maneira relevante
às nossas próprias vidas espirituais. Olhamos para a mensagem de Génesis 1 e
não esperamos nada mais além de ter nossas baterias apologéticas recarregadas
novamente.
Génesis
é a parte inicial de um todo. Não é por acaso que ele ocupa o primeiro lugar no
conjunto de escritos que formam a Bíblia. E isso se deve a três razões
principais: 1) nele estão as nascentes das grandes linhas de pensamento
bíblico; 2) narra o começo de todas as coisas, começo que determina tudo o que
acontece depois, inclusive o fim; 3) face à deturpação da criação existente em
seu tempo, mostra, de modo magnífico, o que a criação é. Sendo que o todo, a
Bíblia, tem a Cristo como seu fundamento e seu centro, minha reflexão aqui não
poderia ficar restrita ao Génesis e deixar de lado, em questões vitais, a
palavra decisiva daquele que é o autor e realizador de nossa fé.
O
relato da criação vem a ser um assunto importante em todo o Velho e Novo
Testamento. Aqui, como em outros lugares, não podemos errar, mas permitir que
as Escrituras interpretem as próprias Escrituras. Quando o assunto da criação
aparece nas Escrituras requer uma reação dos homens. Quando ensinamos Génesis
capítulo 1 muitas vezes falhamos em despertar qualquer tipo reação.
Génesis 1 e 2
A Criação dos Céus e da Terra (Gn. 1:1-2:3)
Através
de todo o primeiro capítulo, esta palavra (no principio), é mais do que uma
simples indicação de tempo. As variações sobre este tema em Isaías 40 mostram
que a história do princípio de todas as coisas – o princípio do céu e da terra,
o princípio de todas as formas de vida e de todas as instituições e relações
humanas -, está impregnado do fim, e que o processo todo é presente para Deus,
que é o Primeiro e o Último, e parece-nos muito próprio esse uso, devido ao
facto de que se trata do Deus Criador, portanto, majestoso, omnipotente.
A
ciência tem determinado que tudo o que há no universo pode se encaixar em uma
destas cinco categorias: tempo, ação, força, espaço e matéria. Seja isso
verdade ou não, é extremamente interessante que o primeiro versículo da Bíblia
fala justamente nestes termos: “No
princípio (tempo), criou (ação) Deus (força) os céus (espaço) e a terra (matéria)”.
“Criou” é uma palavra que descreve a atividade divina.
O
primeiro dia, não foi o primeiro dia de existência dos céus e da terra pois
Deus os criou “no princípio”. Quando foi este princípio a Bíblia não diz. Se os
geologistas dizem que foi há bilhões de anos atrás, é bem provável que seja.
Quanto à Bíblia, não há problemas em relação a isto. O que a Bíblia ensina é
que Deus criou os céus e a terra, no princípio, no passado eterno. A terra não
foi criada sem forma e vazia. Ao invés disso ela tornou-se assim.
Deus
se revela na Bíblia como um ser infinito, eterno, Auto existente e como a Causa
Primária de tudo o que existe. Deus, que é sem começo e sem fim, criou o
universo físico em um dado momento (veja Hb. 1:2 e 11:3). Este foi “o
princípio” de que nos fala Génesis 1:1. Os anjos, seres espirituais (Hb. 1:14),
aparentemente tiveram sua criação antes deste “princípio” do universo físico” (Jó 38:4-7).
Nunca
houve um momento em que Deus não existisse. Conforme afirma Moisés: “Antes que os montes nascessem, ou que tu
formasses a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus”
(Sl 90.2). Noutras palavras, Deus existiu eterna e infinitamente antes de criar
o universo finito. Ele é anterior a toda criação, no céu e na terra, está acima
e não depende dela (ver 1 Tm. 6:16 nota; Cl. 1:16).
Deus
se revela como um ser pessoal que criou Adão e Eva “à sua imagem” (1:27; ver 1:26
nota). Porque Adão e Eva foram criados à imagem de Deus, podiam comunicar-se
com Ele, e também com Ele ter comunhão de modo amoroso e pessoal.
Deus
também se revela como um ser moral que criou tudo bom e, portanto, sem pecado.
Ao terminar Deus a obra da criação, contemplou tudo o que fizera e observou que
era “muito bom” (1:31). Posto que Adão e Eva foram criados à imagem e
semelhança de Deus, eles também não tinham pecado. O pecado entrou na
existência humana quando Eva foi tentada pela serpente, ou Satanás (Gn. 3; Rm.
5:12; Ap. 12:9).
O
primeiro versículo anuncia o propósito do livro. “No princípio criou Deus os
céus e a terra” - O verbo “criar” (hb.“bara”) é usado exclusivamente em
referência a uma atividade que somente Deus pode realizar. Significa que, num
momento específico, Deus criou a matéria e a substância, que antes nunca
existiram. Os israelitas, aos quais foi primeiramente dirigida a mensagem do
livro, aprenderam que o Deus da Palestina era também o Deus de todos os países,
e que o Deus de uma nação – Israel – era também o Deus de todas as nações. Ora
sendo Ele o Deus e Criador de toda a terra, devia por fim tornar-se o Redentor
de toda a terra. O livro relata como se tornou necessária a redenção, devido
ter o homem pecado e caído nas trevas; e como Deus agiu para escolher uma nação
a fim de que esta fizesse chegar a luz da verdade divina às demais nações.
Todos os começos devem principiar com
Deus. Ponhamos sempre Deus em primeiro lugar. A primeira pedra de cada
construção, nosso primeiro pensamento todos os dias, os objetivos e propósitos
principais de toda a atividade devem ser dedicados a Deus. Comecemos o livro do
ano com Deus, e assim chegaremos ao final dele com a glória da nova Jerusalém.
A princípio como na criação física, nosso coração e vida podem parecer “sem
forma e vazios”. Não desanimemos. O Espírito de Deus está dentro de nós,
pairando no meio das trevas e, oportunamente, sua luz brilhará. É a bendita
presença do Senhor Jesus que se agita em nosso coração e, dentro em pouco,
dirigirá a nossa vida (Jo.1:4). A presença dEle faz separação entre o bem e o
mal. Precisamos de distinguir entre Cristo e o ego. Sigamos o clarão e não
andaremos em trevas, mas teremos a luz da vida. Os dias de Deus começam ao
entardecer e terminam sempre ao amanhecer.
O
Cenário Histórico de Génesis 1-2
Senhor
da história.
Para o Génesis não há dúvidas: é Deus e não o homem quem começa a história e a
dirige. Como muito bem destaca Gerhard von Rad em sua Teologia do Antigo
Testamento, a criação é a primeira obra de Deus dentro do tempo. Ela inicia a
história. Mas ela não está só, outras obras do Deus criador vão segui-la dentro
do tempo e da história. Deus não pode ser plenamente Senhor do homem sem ser
também Senhor da história. A soberania de Deus sobre o homem e a soberania de
Deus na história andam juntas. Como diz Paul Ricoeur (História e Verdade),
devido a ser o soberano do homem, Deus é também o soberano da história.
O
que o Génesis faz em primeiro lugar é que os leitores tenham um encontro com o
Deus criador de todos os seres e coisas deste mundo, e logo o apresenta como o
principal protagonista da história das origens. Uma análise cuidadosa do
conteúdo das narrativas dos capítulos 1 e 2 revela o seguinte: Deus é o sujeito
e a criação manifesta seu poder cósmico único; e o fato de ser o Criador
comparece na base de sua soberania e da fé nele.
Desde
o início, Génesis nos confronta com o Deus vivo, Deus inequivocamente pessoal. Estudando-se
Génesis em seus próprios termos, isto é, como um todo vivo, não um corpo a ser
dissecado, não se pode fugir da impressão de que os seus personagens são
pessoas de carne e ossos, de que os acontecimentos que relata são reais, e de
que o livro em si mesmo constitui uma unidade.
A
revelação nunca é dada num vácuo histórico. Quase sempre é posta no contexto de
eventos históricos e pessoas de carne e osso. A Bíblia fala aos homens em
situações específicas e por motivos especiais. Ao dar uma revelação, ou invocar
um certo procedimento, Deus frequentemente Se valia da oportunidade para Se
referir a alguma experiência real pela qual os ouvintes tinham passado. Esta é
uma das características das revelações da Bíblia, mas este facto em si jamais
perturba qualquer um de nós, nem nos impede de crer que aqueles conselhos da
Palavra de Deus se aplicam também a nós. Não podemos interpretar corretamente
as Escrituras ou aplicá-las a nós mesmos até que tenhamos respondido à questão:
“O que esta passagem queria dizer àqueles a quem originalmente foi dada”?
Muitas coisas sobre a literatura, cultura e religiosidade dos povos que
cercavam os israelitas são conhecidas através de estudos arqueológicos. O
conhecimento de factos contemporâneos aos Israelitas aumentará grandemente
nossa compreensão do significado do relato da criação de acordo com a revelação
divina, tal como é encontrada em Génesis 1.
Primeiro,
sabemos que, virtualmente, todas as nações tinham a sua própria cosmogonia, ou
relato(s) da criação. De certo modo, sempre pensei que o relato da criação de Génesis
1 fosse algo novo e original. De facto, esta revelação veio tarde se comparada
à de outras nações do Oriente Médio. A Antiguidade devotava muito tempo e
esforço às suas origens. O relato de Génesis capítulo 1 tinha que “competir”,
por assim dizer, com outros relatos de sua época.
Segundo,
há quase que uma similaridade marcante entre esses relatos pagãos da formação
do cosmos. De seus estudos dos doze mitos, a Sra. Wakeman identificou três
características sempre presentes: 1) um monstro repressivo restringindo a
criação; 2) a derrota do monstro por um deus heroico que liberta as forças
vitais para a vida; 3) o controle final do herói sobre essas forças.”
Terceiro,
ainda que aflija alguns, há consideráveis semelhanças entre os mitos da criação
pagã e o relato inspirado da criação na Bíblia. A correspondência inclui o uso
de alguns dos mesmos termos (por exemplo, Leviatã) ou descrições (por exemplo,
um dragão ou monstro marinho), forma literária similar e sequência de eventos
paralelos na criação.
A
explicação de algumas dessas semelhanças são inaceitáveis. Por exemplo, dizem
que essas semelhanças evidenciam o facto de que a cosmogonia bíblica não é
diferente de qualquer outro mito antigo da criação. Outros nos assegurariam
que, ainda que haja semelhanças, os Israelitas “desmistificaram” esses relatos
corrompidos para assegurar um relato acurado da origem da terra e do homem.
Alguns estudiosos conservadores simplesmente chamam a correspondência de
coincidência, apesar de isto parecer evitar as dificuldades ao invés de explicá-las.
A explicação mais aceitável é que as semelhanças são explicadas pelo facto de
que todos os relatos similares da criação tentam explicar os mesmos fenómenos.
“Muito
cedo os povos se desviaram daquelas primeiras tradições da raça humana, e em
climas e temperaturas variadas, têm-nas modificado de acordo com a sua religião
e modo de pensar. As modificações com o tempo resultaram na corrupção da
tradição pura e original. O relato de Génesis não é o único inalterado, mas em
qualquer lugar sustenta a inerrante impressão da inspiração divina quando
comparado às extravagâncias e corrupções de outros relatos. A narrativa
bíblica, podemos concluir, representa a forma original que deve ter sido
assumida por essas tradições”.
Mais
importante que o facto de que as nações ao redor de Israel tinham seus próprios
(talvez mais antigos) relatos da criação foi o uso para o qual esses relatos
foram colocados no antigo Oriente Médio. Os antigos estudos do cosmos não foram
cuidadosamente registados e preservados por amor à história antiga; eles foram
o fundamento de costumes religiosos.
As
divindades do mundo antigo foram deuses da natureza, como o deus sol, deus lua,
deus chuva e assim por diante. Para assegurar o curso das forças da natureza e
garantir a colheita abundante e os rebanhos de gado, os mitos da criação eram
encenados todos os anos.
“Os
mitos, então, no mundo antigo, eram reencenados através de pantomimas em
festivais públicos para acompanhamento dos rituais. Uma complexa estrutura
compunha a mágica encenação, cujo efeito, acreditava-se, seria benéfico a toda
comunidade. Através de rituais aromáticos eram revividos os primeiros eventos
registados na mitologia. Acreditava-se que a encenação das ações criadoras dos
deuses na estação própria, e a declamação de uma fórmula verbal apropriada
faria a renovação periódica e a revitalização da natureza, e assim asseguraria
a prosperidade da comunidade.
Por
esse cenário podemos começar a perceber quão vital foi o papel encenado pelo
estudo do cosmos no antigo Oriente Médio. A vida social e religiosa de Israel,
como a de seus vizinhos, era baseada em suas origens. O relato da criação em
Génesis estabeleceu o fundamento para o restante do Pentateuco.
Sob
essa luz podemos ver a importância do contexto entre o Deus de Israel e os “deuses”
do Egito. Faraó ousou perguntar a Moisés “Quem
é o Senhor para que eu obedeça à sua voz e deixe ir a Israel”? (Ex. 5:2).
A
resposta do Senhor foi uma série de dez pragas. A mensagem dessas pragas foi
que o Deus de Israel é o Deus criador dos céus e da terra. “Porque, naquela noite, passarei pela terra
do Egito e ferirei na terra do Egito todos os primogénitos, desde os homens até
os animais; executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor”
(Ex. 12:12, cf. 18:11; Nm. 33:4)
Parecia
que cada praga era uma afronta direta a algum dos muitos deuses do Egito. Ainda
que uma correlação direta de cada praga com um deus específico possa ser um
tanto especulativa, a batalha dos deuses é evidente.
Não
é de se estranhar que o sinal da aliança dos Israelitas fosse a guarda do
sábado: “Tu, pois, falarás aos filhos de
Israel e lhes dirás: Certamente, guardareis os meus sábados, pois é sinal entre
mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que eu sou o Senhor, que vos
santifica... Entre mim e os filhos de Israel é sinal para sempre, em seis dias,
fez o Senhor os céus e a terra e, ao sétimo dia, descansou, e tomou alento”
(Ex. 31:13, 17).
A
observância do sábado identificava Israel com o seu Deus, o Criador que
descansou de seu trabalho no sétimo dia.
Os milagres do Êxodo tiveram, então, uma
função similar à dos sinais e maravilhas realizados por nosso Senhor. Eles
autenticaram a mensagem que foi proclamada. No caso de nosso Senhor foram as
palavras que Ele proclamou e os escritores inspirados preservaram. No caso do
Êxodo, o Pentateuco foi a revelação de Deus escrita por Moisés que seus
milagres autenticaram. O Êxodo provou ser Yahweh o único Deus, o Criador e
Redentor. O Pentateuco forneceu o conteúdo para a fé de Israel, do qual o
relato da criação é o fundamento.
Génesis 1:1-3
Poucos
tópicos têm sido objeto de tanta especulação como o tópico da criação.
Com
tal beleza, ordem, exatidão, adaptação, majestade, simplicidade, planeamento e
arquitetura inteligente, começa o relato da Criação em Génesis. Veja por si
mesmo todas as maravilhas naturais como por exemplo: o perfume das rosas, as
cores, o brilho das estrelas, a teia da aranha, a organização de um
formigueiro, o funcionamento do corpo humano entre outros infinitos fenómenos.
Poderia tudo isso ter surgido de um simples acaso? De uma grande explosão (big
bang)? Deus ensina através da Bíblia Sagrada que tudo tem um fundamento e tudo
o que existe foi criado pela própria vontade de Deus. Porém, uma análise do
capítulo 1 de Génesis não é tão simples e direta como uma leitura casual do
texto bíblico poderia sugerir. A interpretação moderna da cosmogonia (estudo
das origens) bíblica em Génesis 1 é extremamente complicada, dividida entre a
interpretação não literal e a literal.
Há
muitas interpretações para os três primeiros versos da Bíblia, mas
mencionaremos brevemente as três mais popularmente sustentadas pelos
evangélicos. Não gastaremos muito tempo aqui, pois nossas conclusões não serão
finais e as diferenças têm pouca influência na aplicação do texto. Deixe-me
começar simplesmente dizendo que nós, que somos chamados pelo nome de Cristo,
devemos, no final das contas, tomar Génesis 1:1 ao pé da letra, pela fé (Hb.
11:3).
Primeira
opinião:
A Teoria da Recriação (ou lacuna). Esta opinião sustenta que Génesis 1:1
descreve a criação original da terra, anterior à queda de Satanás (Is.
14:12-15, Ez. 28:12s). Em consequência da queda de Satanás a terra perdeu seu
estado original de beleza e glória e se encontrou no estado de caos de Génesis
1:2. Essa “lacuna” entre os versos 1 e 2 não só ajuda a explicar o ensino a
respeito da queda de Satanás, mas também permite um considerável período de
tempo, o qual ajuda a harmonizar o relato da criação com as modernas teorias
científicas. Esta teoria sofre de uma série de dificuldades.
Segunda
opinião:
A Teoria do Caos Inicial. Brevemente, esta opinião sustenta que o verso 1 seria
uma frase introdutória independente. O verso 2 descreveria o estado da criação
inicial como sem forma e vazia. Em outras palavras, o universo é como um bloco
bruto de granito antes do escultor começar a moldá-lo. A criação não está em
mau estado em consequência de alguma queda catastrófica, mas simplesmente em
seu estado informe inicial, como um monte de barro nas mãos do oleiro. Os
versos 3 e seguintes começam a descrever o trabalho de Deus e a modelagem da
massa, transformando-a do caos no cosmos. Muitos estudiosos respeitáveis
sustentam esta posição.
Terceira
opinião:
A Teoria do Caos Pré-Criação. Nesta opinião (sustentada pelo Dr. Waltke) o verso
1 ou é entendido como uma oração independente (“Quando Deus começou a
criar...”) ou como um enunciado introdutório independente e resumido (“No princípio criou Deus...”). O relato
da criação resumido no verso 1 começa no verso 2. Esta “criação” não é “ex
nihilo” (do nada), mas por causa das coisas existentes no verso 2. De onde isto
vem não é explicado nesses versos. Em consequência, esta opinião sustenta que o
estado caótico não ocorre entre os versos 1 e 2, mas antes do verso 1 numa
época não especificada. A origem absoluta da matéria é, então, não o objeto da
“criação” de Génesis 1, mas apenas o princípio relativo do mundo e da
civilização como a conhecemos hoje.
Podemos
resumir as diferenças entre esses três pontos de vista da seguinte maneira:
1º.
Ponto de Vista:
Criação Original (Gn. 1:1). Queda de Satanás – Caos (Gn. 1:2) e Recriação (Gn.
1:3s).
2º.
Ponto de Vista:
Queda de Satanás – Caos (Gn. 1:2) e Cosmos (Gn. 1:3s).
3º. Ponto de Vista: Caos (Gn. 1:2)
e Queda de Satanás – Cosmos (Criação).
Os Seis Dias da
Criação (Gn. 1:1-31).
É
importante reconhecer que os versos 2 a 31 nada mais são do que uma pequena
expansão do verso 1. Eles não explicam completamente a criação (certamente não
do modo científico - quem teria se preocupado com isso durante todos esses
anos?). Nem a provam, pois, no final das contas, isto é uma questão de fé. Os
factos sobre os quais esta fé deve ser baseada simplesmente são afirmados.
Parece
haver um padrão para estes seis dias da criação, como muitos estudantes da
Bíblia têm observado. Pode ser melhor ilustrado da seguinte forma:
O Sem Forma
Transformado em Forma – o sem forma e vazia introduz a ação criadora de
Deus, pondo ordem no caos inicial. Tanto que a palavra imediata é “mas”. Uma
contraposição. Deus vai fazer algo com o caos. “O Espírito de Deus pairava
sobre a face das águas” – No primeiro
dia (vs. 3-5) Deus traz a luz. Ele fala “haja luz” e passa a haver luz.
É a sua Palavra que cria, que trás as coisas à existência. O universo não é
autoexame, nem a matéria é eterna. Houve um momento em que um Ser
Todo-Poderoso, Inteligente e Majestoso, trouxe à luz o que não havia.
A relação entre a luz de Deus e o Sol tem seu princípio já no relato da
criação, no primeiro capítulo de Génesis, quando a luz é criada bem antes do
Sol. A luz precede o surgimento do Sol. Da mesma forma, sobrevive a ele, como
podemos ver em Apocalipse 22:5. No entanto não se pode dizer que a luz foi
criada, mas que surgiu no primeiro dia. Dentro desse contexto,
podemos deduzir que a Luz de Deus precede o Sol, que é uma figura de Cristo.
Assim, compreendemos que mesmo sem conhecermos a Cristo, somos dEle conhecidos;
mesmo num mundo em trevas, Deus sempre zelou pelos seus escolhidos; ao povo que
caminhava na noite, Deus enviou uma coluna de fogo para aquecê-lo e iluminá-lo;
mesmo antes de qualquer um de nós experimentarmos a acolhida no aprisco de
Cristo, Deus já nos cuidava e nos atraia ainda que não o víssemos, nem o
sentíssemos.
No Antigo Testamento a luz é símbolo de vida e bênção. Leia 2 Samuel
22:29 e Salmos 49:19: 56:13; 97:11 e 112:4. A primeira palavra criadora de Deus
traz a luz para o meio das trevas do caos. É o início da vida. Começa a
organização do mundo. Que sábio arquiteto!
No segundo dia (vs. 6-8)
Deus traz o firmamento (Atmosfera
espaço superior). Surge a abobada
celeste, com separação entre as águas (Água espaço inferior) de cima e
as debaixo. Uma linguagem atual seria a de vapores subindo e clareando a
superfície do oceano. As águas são separadas e distinguidas. As águas dos
oceanos evaporam-se para formar as nuvens e se transformarem em águas doces. O
sábio construtor começa a tomar providências para que aja vida na terra. Sem
água potável ela seria impossível.
No terceiro
dia (vs. 9-13)
- Plantas terrestres. Já existia a
água potável. Começara a vida vegetal na terra. A ordem divina é para que a
terra apareça, ajuntando-se as águas em um só lugar. Tudo está coberto de água,
mas a terra emergirá. 2 Pedro 3:5 diz bem que a terra “foi tirada da água”. A
ideia é que toda a superfície da terra se juntou num só lugar. Hoje, muitos
geólogos defendem a ideia de que, originariamente, toda a terra firme formava
um só continente, ilustram, inclusive, com a configuração da América do Sul e
da África, que seriam encaixáveis uma na outra.
A terra
produz relva. Erva que dá sementes e árvores. Cada uma de acordo com a sua
espécie, cada uma com condições de se reproduzir. A vida se acelerará. A
autorreprodução é marca de aceleração da vida.
No quarto
dia (vs.14-19),
temos o surgimento dos “dois grande luminares” cujos nomes, Sol e Lua, são
propositadamente omitidos. Os hebreus habitavam em região dominada pelo culto
aos astros. O relato além de mostrá-los como criação, omite os seus nomes. Mais
importante do que eles é o facto de que alguém os fez. Não se diz que eles
foram criados no quarto dia. Eles o foram no primeiro dia. Agora, surgem. Agora
com a terra arrefecida, há menos vapor, são mais visíveis. A terra passa a ser
aquecida por fora. Com o sol vêm o calor e as estações. Começa a contagem do
tempo pelos astros: “para dias e anos” (v. 14). Tudo está preparado para a vida
animal. Há água, comida e o ciclo das estações.
No quinto
dia (vs. 20-23)
as água passaram a ter a vida animal (Peixes e Pássaros). Há vida na água
“abundantemente”. Deus criou grandes animais marinhos e tudo o que se move nas
águas. Criou peixes e aves, e viu que tudo era bom, e os abençoou dizendo: “Sejam
frutíferos e se reproduzam”. O verbo usado significa “fervilhar”. A ideia é de
uma reprodução em grande escala. A gramínea já produz sementes que estas comem.
Fica bem claro que a vida animal e humana são obra muito bem cuidada de Deus.
E a tarde e a manhã foram o quinto
dia.
No sexto dia (v. 24-31), temos a criação da vida
réptil e da mamífera, animal e humana. Deus disse: “Que a terra se encha de
criaturas vivas”. Então ele criou os animais da terra, o gado e tudo que
rasteja, para se reproduzirem; e Deus viu que isso era bom.
Produza a
terra seres viventes. “Seres é o hebraico nêfêsh,
termo rico que significa “garganta, respiração, fôlego, ser pessoa, gente,
personalidade, individualidade, vida, alma”, ou seja, algo que respira. Mas,
secundariamente, também “pessoa morta, cadáver”. Por isso os “viventes”. A vida
animal se estabelece. Há animais domésticos, répteis e animais selvagens, de
acordo com as suas espécies. A palavra utilizada para répteis não significa uma
classificação científica exclusiva de répteis. Alude ao movimento suave ou o
rastejar e arrastar de várias espécies de criatura.
Deus provou
o seu próprio trabalho. Não o fez descuidadamente, mas como um artesão que, com
muito cuidado, executa sua tarefa. O mundo é bom. Teve um grande construtor que
elogiou a sua própria obra. É tudo bom que, no último dia, o sexto, Deus se
permitiu um superlativo: “muito bom” (1:31). Precisamos de ver a terra como o
bom mundo de Deus. Não é um mundo descuidado, sem organização. Muitas vezes nós
estragamos a boa criação divina, com uma administração caótica, mas que ela é
fantástica, não se pode negar. Deus é o sujeito de tudo. E a sua palavra
comanda tudo. A história da Criação começa com uma palavra sua: “Disse Deus”
(1:3).
Deus
preparou primeiro o cenário para depois trazer o actor principal, o homem. Cada
dia recebeu um “bom” como aprovação divina, mas o dia em que o homem foi criado
recebeu um “muito bom”. O homem é o que Deus tem de mais importante na face da
terra. Tanto que quando o homem se perdeu, desviando-se de Deus, este enviou o
seu Filho para salvá-lo.
Vendo
desta maneira, os três primeiros dias cuidam da situação “sem forma” descrita
em Génesis 1:2. Os dias 4 a 6 tratam do estado de “vácuo” ou “vazio” do verso
2. Parece haver também uma correlação entre os dias 1 e 4, 2 e 5 e 3 e 6. Por
exemplo, a atmosfera e a água recebem a forma de vida correspondente de
pássaros e peixes, como se isto não devesse estar tão longe.
Duas
outras observações devem ser feitas. Primeiro, há uma sequência nos seis dias.
Fica claro que este relato está disposto cronologicamente, cada dia edificado
sobre a atividade criativa dos dias anteriores. Segundo, há um processo
envolvido na criação, um processo envolvendo a transformação do caos no cosmos,
a desordem na ordem.
Enquanto Deus poderia ter
instantaneamente criado a terra tal como ela é, Ele não escolheu fazer assim. A
clara impressão dada pelo texto é que este processo levou seis dias
literalmente, e não longas eras. No entanto, o Deus eterno não está tão
preocupado em fazer as coisas instantaneamente quanto nós estamos. O processo
de santificação é apenas mais um dos muitos exemplos da atividade progressiva
de Deus no mundo.
O Significado da
Criação para os Antigos Israelitas
Antes
de examinarmos a questão do que a criação deve significar para nós, devemos
tratar do seu significado para aqueles que primeiramente leram estas palavras
inspiradas da pena de Moisés. O propósito inicial deste relato foi para os
Israelitas dos dias de Moisés. O que devem ter aprendido? Como devem ter
reagido?
(1)
O relato da criação de Génesis foi uma correção à cosmogonia corrompida de seus
dias. Já dissemos que o Egito, por exemplo, acreditava em múltiplos deuses da
natureza. Precisamos de reconhecer que Israel, devido à sua proximidade e
contato prolongado com os egípcios, não deixou de ser afetado por seus pontos
de vista religiosos. “Agora, pois, temei
ao Senhor e servi-o com integridade e com fidelidade; deitai fora os deuses aos
quais serviram vossos pais dalém do Eufrates e servi ao Senhor” (Js. 24:14).
Não
era suficiente honrar a Yahweh simplesmente como um deus, um entre muitos. Nem
poderia ser concebido isso do Deus de Israel. Só Yahweh é Deus. Não há outro
Deus. Ele é o criador dos céus e da terra. Ele não é simplesmente superior aos
deuses das nações ao derredor. Somente Ele é Deus.
A
tendência em se começar a confundir Deus com a Sua criação foi uma parte dos
pensamentos do mundo antigo. Ele deve ser honrado como o Deus da criação, não
apenas Deus na criação. Todas as tentativas de se visualizar ou humanizar a
Deus na forma de alguma coisa criada foram tendências em equiparar Deus com a Sua
criação. Creio que foi assim com o bezerro de ouro de Arão.
(2)
O relato da criação descreve o caráter e os atributos de Deus. Negativamente, Génesis
1 corrige muitas concepções populares erradas a respeito de Deus.
Positivamente, retrata Seu caráter e Seus atributos.
Deus
é soberano e Todo-Poderoso. Distintamente das cosmogonias de outros
povos antigos, não há nenhuma batalha na criação descrita em Génesis 1. Deus
não enfrentou forças opostas para criar a terra e o homem. Deus criou com uma
simples ordem “Haja...” Há ordem e progresso. Deus não faz experiência, mas, ao
invés disso, habilmente molda a criação conforme Seu projeto onisciente.
Deus
não é simplesmente energia, mas uma Pessoa. Ainda que
devamos ficar atemorizados pela transcendência de Deus, devemos ficar também
pela Sua imanência. Ele não é uma energia cósmica distante, mas um Deus pessoal
sempre presente. Isto é refletido no facto de que Ele criou o homem à sua
própria imagem (1:26-28). O homem é um reflexo de Deus. Nossa personalidade é
simplesmente uma sombra da personalidade de Deus. No capítulo 2 Deus deu a Adão
uma tarefa significativa, com uma companheira como auxiliadora. No terceiro
capítulo aprendemos que Deus tinha comunhão diária com o homem no jardim (cf.
3:8).
Deus é eterno. A palavra
eterno significa “perpétuo, sem começo e sem fim”. Enquanto que as outras
criações são vagas ou errôneas no que concerne à origem de seus deuses, o Deus
de Génesis é eterno. O relato da criação descreve Sua atividade no princípio
dos tempos (do ponto de vista humano). O Salmo 90:2 nos diz sobre a eternidade de
Deus: “"Antes de nascerem os montes e de criares a terra e o mundo, de
eternidade a eternidade tu és Deus”. A duração que se estende sem limite ao
passado e a duração sem limite ao futuro, de tempos eternos a tempos eternos,
Deus foi e será para sempre.
Deus é bom. A criação não
teve lugar num vácuo moral. A moralidade foi tecida dentro da estrutura da
criação. Repetidamente é encontrada a expressão “e era bom”. Bom implica não
somente em utilidade e complexidade, mas em valores morais. Aqueles que
sustentam pontos de vista ateístas sobre a origem da terra não veem nenhum outro
sistema de valores a não ser o que é sustentado pela maioria das pessoas. A
bondade de Deus é refletida em Sua criação, a qual, em seu estado original, era
boa. Mesmo hoje, a graça e a bondade de Deus são evidentes (cf. Mt. 5:45; At.
17:22-31).
O significado da
Criação Para Todos os Homens
O
tema de Deus como Criador é relevante através de toda a Escritura. É
significativo que as últimas palavras da Bíblia sejam notadamente similares às
primeiras.
“Então me mostrou o rio da água da vida,
brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua
praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze
frutos, dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são par a cura
dos povos. Nunca mais haverá qualquer maldição. Nela, estará o trono de Deus e
do Cordeiro. Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua
fronte está o nome dele. Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz
de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles e
reinarão pelos séculos dos séculos” (Ap. 22:1-5).
A
verdade de que Deus é o Criador dos céus e da terra não é simplesmente algo
para se acreditar, mas algo a que devemos reagir. Deixe-me mencionar apenas
umas poucas implicações do ensinamento de Génesis 1.
(1)
Os homens devem se submeter ao Deus da criação em temor e obediência. Os céus
proclamam a glória de Deus: “Os céus
proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos. Um dia
discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite” (Sl.
19:1-2). A
voz de Deus sempre está falando. Suas testemunhas dão testemunho de sua glória,
majestade e graça criativa. O universo grita com alegria que, atrás da sua
beleza e poder está o Único que deu vida e propósito para tudo que existe.
“Porque
os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua
própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo
percebidos por meio das coisas criadas. Tais homens são, por isso,
indesculpáveis; porquanto tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como
Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios
raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm. 1:20-21).
Os
homens devem temer o Deus Todo-Poderoso da criação:
“Os
céus por sua palavra se fizeram e, pelo sopro de sua boca, o exército deles.
Ele ajunta em montão as águas do mar; e em reservatório encerra as grandes
vagas. Tema ao Senhor toda a terra, temam-nos todos os habitantes do mundo.
Pois ele falou e tudo se fez, ele ordenou e tudo passou a existir” (Sl.
33:6-9).
A grandeza de Deus é evidente nas obras
de suas mãos - a criação que está ao nosso redor. Os homens deveriam temê-Lo e
reverenciá-Lo por Quem Ele é.
“Bendize,
ó minha alma, ao Senhor! Senhor, Deus meu, como tu és magnificente,
sobrevestido de glória e majestade, coberto de luz como de um manto. Tu
estendes o céu como uma cortina, pões nas águas o vigamento da tua morada,
tomas as nuvens por teu carro, e voas nas asas do vento. Fazes a teus anjos
ventos e a teus ministros, labaredas de fogo. Lançaste os fundamentos da terra,
para que ela não vacile em tempo nenhum. Tomaste o abismo por vestuário e a
cobriste; as águas ficaram acima das montanhas; à tua repreensão, fugiram, à voz
do teu trovão, bateram em retirada. Elevaram-se os montes, desceram os vales,
até ao lugar que lhes havias preparado. Puseste às águas divisa, que não
ultrapassarão, para que não tornem a cobrir a terra” (Sl. 104:1-9).
(2) Os homens devem confiar no Deus da
criação, para prover todas as suas necessidades. A Providência Divina é paternal.
Deste modo percebe-se que a Providência Divina tem um fim escatológico
particular e universal: diz respeito a cada indivíduo e a toda a humanidade,
mesmo que alguns, mediante a liberdade que possuem, resistam a esse amparo oferecido
por Deus.
“Após
voltar Abrão de ferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele, saiu-lhe
ao encontro o rei de Sodoma no vale de Savé, que é o vale do rei.
Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; era sacerdote do Deus
Altíssimo: abençoou ele a Abrão, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus
Altíssimo; que possui os céus e a terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que
entregou os teus adversários nas tuas mãos. E de tudo lhe deu Abrão o dízimo.
Então disse o rei de Sodoma a Abrão: dá-me as pessoas, e os bens fiquem
contigo. Mas Abrão lhe respondeu: Levanto minha mão ao Senhor, o Deus
Altíssimo, que possui o céu e a terra, e juro que nada tomarei de tudo o que te
pertence, nem um fio, nem uma correia de sandália, para que não digas: Eu
enriqueci a Abrão; nada quero para mim, senão o que os rapazes comeram, e a
parte que toca aos homens Aner, Escol e Manre, que foram comigo; estes que
tomem o seu quinhão” (Gn. 14:17-24).
Abrão deu o dízimo a Melquisedeque com
base em sua confissão de que o Deus de Abrão era “o Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra” (vs. 19, 20). E
mesmo enquanto Abrão dava o dízimo a Melquisedeque, ele se recusou a se
beneficiar em qualquer aspecto financeiro do rei pagão de Sodoma, pois queria
que este homem soubesse que “o Deus
Altíssimo, que possui os céus e a terra” foi o Único que o fez prosperar.
Nós cantamos “Ele é o dono do gado em
milhares de montes... sei que ele se importará comigo.” Que boa teologia. O
Deus que é o nosso Criador, é também o nosso Sustentador. Veja que Deus não
concluiu o universo e então o deixou entregue a si mesmo, tal como parecem
dizer. Deus mantém um cuidado contínuo sobre Sua criação. A “Providência”
é o desígnio de divino que, com sabedoria e liberdade, conduz os seres criados,
no hoje da criatura. Deste modo, a Providência é certa e infalível e cabe a ela
o governo e a conservação do mundo.
“Fazes
crescer a relva para os animais, e as plantas para o serviço do homem, de sorte
que da terra tire o seu pão; o vinho, que alegra o coração do homem, o azeite
que lhe dá brilho ao rosto, e o pão que lhe sustém as forças. Avigoram-se as
aves do Senhor, e os cedros do Líbano que ele plantou, em que as aves fazem
seus ninhos; quanto à cegonha, a sua casa é nos ciprestes. Os altos montes são
das cabras montesinhas, e as rochas o refúgio dos arganazes. Fez a lua para
marcar o tempo; o sol conhece a hora do seu ocaso. Dispões as trevas, e vem a
noite, na qual vagueiam os animais da selva. Os leõezinhos rugem pela presa, e
buscam de Deus o sustento; em vindo o sol, eles se recolhem e se acomodam nos
seus covis. Sai o homem para o seu trabalho, e para o seu encargo até a tarde”
(Sl. 104:14-23)
O
Novo Testamento dá um passo além ao nos informar que o Filho de Deus foi o
Criador e continua a servir como Sustentador da criação, mantendo todas as
coisas juntas:
“Pois nele foram criadas todas as coisas, nos
céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias,
quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele.
Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste” (Cl. 1:16-17).
(3)
Os homens devem se humilhar diante da sabedoria de Deus evidenciada na criação.
Jó sofreu muitas aflições. Mas, afinal, o suficiente foi suficiente. Ele
começou a questionar a sabedoria de Deus em sua adversidade. Ao seu
questionamento Deus respondeu:
“Depois disto o Senhor, do meio de um
redemoinho, respondeu a Jó: Quem é este que escurece os meus desígnios com
palavras sem conhecimento? Cinge, pois, os teus lombos como homem, pois eu te
perguntarei, e tu me farás saber. Onde estavas tu, quando eu lançava os
fundamentos da terra? Diz-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as medidas, se
é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? Sobre que estão fundadas as
tuas bases, ou quem lhe assentou a pedra angular, quando juntas as estrelas da
alva alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus” (Jó
38:1-7)?
Jó foi desafiado a sondar a sabedoria de
Deus na criação. Ele não podia explicá-la ou compreendê-la, quanto mais
contestá-la. Como, então, Jó poderia questionar a sabedoria da obra de Deus em
sua vida. Na verdade, ele não podia ver o propósito de tudo aquilo, mas sua
perspectiva não era a de Deus. Deixe que, quem quer que questione a ação de
Deus em sua vida contemple a infinita sabedoria de Deus como é vista na
criação, e então seja silenciado e espere Nele para fazer o que é certo.
Se
o homem pudesse escolher refletir sobre qualquer questão, deixe-o tentar sondar
a razão pela qual um Deus infinito deveria Se preocupar tanto com um simples
homem:
“Quanto
contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que
estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o
visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus, e de glória e
de honra o coroaste” (Sl. 8:3-5).
(4) O homem deve encontrar conforto nos
braços de Deus em tempos de perigo e dificuldade, sabendo que o seu Criador é
capaz e deseja de livrá-lo.
“Por
isso também os que sofrem segundo a vontade de Deus encomendem as suas almas ao
fiel Criador, na prática do bem” (I Pe. 4:19).
“Por
que, pois, dizes, ó Jacó, e falas, ó Israel: O meu caminho está encoberto ao
Senhor, e o meu direito passa despercebido ao meu Deus? Não sabes, não ouviste
que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se
fatiga? Não se pode esquadrinhar o seu entendimento. Faz forte ao cansado, e
multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansam e se
fatigam, e os moços de exaustos caem, mas os que esperam no Senhor renovam as
suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não
se fatigam” (Is. 40:27-31).
“Assim
Deus, o Senhor, que criou os céus e os estendeu, formou a terra, e a tudo
quanto produz; que dá fôlego de vida ao povo que nela está, e o espírito aos
que andam nela. Eu, o Senhor, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela mão, e te
guardarei, e te farei mediador da aliança com o povo, e luz para os gentios”
(Is. 42:5-6).
“Eu
sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda
que não me conheces. Para que se saiba até ao nascente do sol e até ao poente,
que além de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz,
e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu o Senhor, faço todas estas cousas”
(Is. 45:5-7).
(5) O homem deve responder ao Deus da
criação com o louvor que Lhe é devido: “A
glória do Senhor seja para sempre! Exulte o Senhor por suas obras! Com só olhar
para a terra ele a faz tremer; toca as montanhas, e elas fumegam. Cantarei ao
Senhor enquanto eu viver; cantarei louvores ao meu Deus durante a minha vida.
Seja-lhe agradável a minha meditação; eu me alegrarei no Senhor. Desapareçam da
terra os pecadores, e já não subsistam os perversos. Bendize, ó minha alma, ao
Senhor! Aleluia” (Sl. 104:31-35)!
“Aleluia! Louvai ao Senhor do alto dos céus,
louvai-o nas alturas. Louvai-o todos os seus anjos; louvai-o todas as suas
legiões celestes. Louvai-o, sol e lua; louvai-o todas as estrelas luzentes.
Louvai-o, céus dos céus, e as águas que estão acima do firmamento. Louvem o
nome do Senhor, pois mandou ele e foram criados. E os estabeleceu para todo o
sempre: fixou-lhes uma ordem que não passará” (Sl. 148:1-6).
“Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos
diante do Senhor que nos criou” (Sl. 95:6).
“Ó
Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome! Pois
expuseste nos céus a tua majestade” (Sl. 8:1).
Conclusão
Meu
amigo, o ensinamento de Génesis 1 é uma grande e poderosa verdade. É o único
que exige mais do que aceitação; ele precisa de ação. E mesmo assim, por maior
que seja, é empalidecido pela vinda de Jesus Cristo. Da mesma forma que Deus
proclamou: haja luz, assim Deus de uma vez por todas falou nos últimos tempos
pelo Filho (Hb.1:1-2), que é a luz:
“Porque Deus que disse: De trevas
resplandecerá luz – ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação
do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2 Co. 4:6).
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava
com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas
foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez. A
vida estava nele, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas,
e as trevas não prevaleceram contra ela” (Jo. 1:1-5).
“A saber: a verdadeira luz que, vinda ao
mundo, ilumina a todo homem. Estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio
dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o
receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos
filhos de Deus; a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do
sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”
(Jo.1:9-13).
Enquanto Deus Se revelou palidamente na
criação, Ele Se revelou completamente em Seu Filho: “Ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigénito, que está no sei do Pai, é
quem o revelou” (Jo. 1:18).
Não podemos evitar a revelação bíblica
de que o Deus que criou os céus e a terra, o Deus que redimiu os Israelitas do
Egito, é o Deus-Homem da Galileia, Jesus Cristo. Da mesma forma como Ele fez a
primeira criação (Cl. 1:16), agora Ele vem realizar uma nova criação, através
de Sua obra na cruz do Calvário: “E
assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já
passaram; eis que se fizeram novas.” (2 Co. 5:17)
Além
disto, breve virá o dia em que os céus e a terra serão purificados dos efeitos
do pecado e serão novos céus e nova terra: “Virá,
entretanto, como ladrão, o dia do Senhor, no qual os céus passarão com
estrepitoso estrondo e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as
obras que nela existem serão atingidas. Visto que todas estas coisas hão-de ser
assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e
piedade, esperando e apressando a vinda do dia de Deus, por causa do qual os
céus incendiados serão desfeitos e os elementos abrasados se derreterão. Nós,
porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais
habita justiça” (2 Pe. 3:10-13)
Você
está pronto para esse dia, meu amigo? Já é uma nova criatura em Cristo? Génesis
1 revela como Deus tomou o caos e o transformou no cosmos – belo e ordenado. Se
ainda não veio a Cristo, posso dizer com toda segurança que a sua vida é sem forma
e vazia, é caótica e sem vida. O mesmo que tornou o caos em cosmos pode fazer
de sua vida uma nova vida.
É
na grandeza da criação e na prática da justiça que Deus revela a sua presença.
É imitando Deus pela prática da justiça que o ser humano ajuda a manter a
criação de Deus.