“Eis
que o semeador saiu a
semear a sua semente e, quando semeava, caiu alguma junto do caminho, e foi
pisada, e as aves do céu a comeram; E outra caiu sobre pedra e, nascida,
secou-se, pois que não tinha umidade; E outra caiu entre espinhos e crescendo
com ela os espinhos, a sufocaram; E outra caiu em boa terra, e, nascida,
produziu fruto, a cento por um. Dizendo ele estas coisas, clamava: Quem tem
ouvidos para ouvir, ouça” (Lc. 8:5-8).
Introdução
“Eis que o semeador saiu a semear...” (Mt. 13:3). Era
um modo incomum do Senhor abrir um discurso sobre as maravilhas do
reino do céu.
Jesus
contou frequentemente, por parábolas, histórias sobre os acontecimentos do
dia-a-dia que ele usava para ilustrar verdades espirituais. Uma das mais
importantes destas parábolas é aquela registada em Mateus 13:1-23, Marcos
4:1-20 e Lucas 8:4-15. Esta história fala de um fazendeiro que lançou sementes
em vários lugares com diferentes resultados, dependendo do tipo do solo. A
importância desta parábola é salientada por Jesus em Marcos 4:13: “Não
entendeis esta parábola e como compreendereis todas as parábolas?” Jesus
está dizendo que esta parábola é fundamental para o entendimento das outras.
Esta é uma das três únicas parábolas registadas em mais do que dois evangelhos,
e também é uma das únicas que Jesus explicou especificamente. Precisamos de meditar
cuidadosamente nesta história.
Depois
de o Senhor haver feito de Cafarnaum o Seu centro de operações começou uma
viagem sem pressa através da província da Galileia, visitando as cidades e
aldeias de maneira sistemática. Isso deve ter-se constituído numa excelente
oportunidade para a instrução, para encorajar os discípulos acerca de sua doutrina e métodos e encorajar tantos outros quando
os discípulos repetissem.
A
parábola do semeador foi sugerida pelo cenário que surgia diante d’Ele. Há um
progresso nos estágios de assimilação e crescimento, identificando as várias
fases da experiência humana. Os resultados variados da pregação do evangelho
não se devem, em primeiro lugar, nem ao semeador nem à semente, mas à qualidade
do solo. Em todo o grupo há os endurecidos, como o caminho pisado; os impulsivos,
como o terreno que tinha uma fina camada de terra sobre a pedra; os que têm o
coração dividido por riquezas e interesses, como o solo coberto de espinhos; e
os que recebem com alegria e frutificam com paciência. O Senhor por meio das
parábolas velou Seu pensamento. Se desse maiores esclarecimentos apenas
aumentaria a condenação dos ouvintes desobedientes.
É
bem possível que fosse no início da primavera quando Jesus tomou assento na
proa de um barco de pesca na praia ocidental do Mar da Galileia, e ensinou a Sua
notável parábola. Quando Jesus contou a parábola,
tomou um exemplo tirado da agricultura para dar uma lição de confiança a seus
discípulos. Ele logo estaria na praia oriental, alimentando uma multidão
de pessoas com uns poucos pães e peixes (Mt. 14:13-21), e a festa da Páscoa ”estava
próxima” (Jo. 6:4). Os campos que rodeavam Genesaré teriam sido semeados apenas
uns poucos meses antes (janeiro, fevereiro). O cheiro deles deveria estar no ar
e não haveria um homem nas multidões de ouvintes que não soubesse o peso de um
saco de semente e a sensação do solo recém-arado. Era uma terra para
plantadores e proprietários, um lugar para cultivar coisas, e a parábola da
semente e dos solos não poderia ter encontrado uma audiência mais entendida.
A
luz do início da primavera teria refletido como era jovem o mestre, e talvez
como era comum a sua aparência. Nos seus olhos, a despeito das entusiásticas
multidões que se comprimiam sobre ele para o ouvir, pode bem ter havido uma
ponta de tristeza. Alguns estavam, sem dúvida, escutando embevecidos,
esforçando-se sinceramente para tomar cada palavra. Outros teriam sido vistos
cabeceando em entusiasmo distraído, envolvidos pelo momento e a multidão. Ainda
outros teriam estado ouvindo distraidamente, escutando e concordando, mas não
dando atenção total à mensagem. E os escribas e fariseus — eles também estariam
ouvindo — não para escutar, naturalmente, mas para achar os defeitos e
salientá-los. Eles entendiam tão pouco agora, e a maioria jamais entenderia o
evangelho do seu reino.
Conheceria
Jesus os pensamentos que estavam por detrás dessas faces? Conheceria Ele os
preconceitos, as escusas justificativas, as ideias que estavam forçando e
infiltrando em cada palavra que Ele falava? Veria Ele as grades de proteção com
que defendemos os nossos corações de Sua verdade? Certamente que sim. E nos
adverte como os advertia, “Quem tem
ouvidos, ouça” (Mt. 13:9).
Há
dois recados para nós, hoje, nesta parábola. O primeiro é
o mesmo de Jesus aos discípulos. Não sejam pessimistas, não desesperem. Deus
pode parecer tardar, mas não falha. A Sua promessa é certa e a Sua palavra vai
se realizar. Tenham fé! Vocês vivem semeando porque têm sonhos e ideais a
realizar. Cuidem das sementes para que elas germinem, cresçam e deem frutos. O segundo recado é o seguinte. Nós, em geral,
acreditamos pouco na força da Palavra e só nos preocupamos com o terreno, isto
é, connosco. Mas a semente brota pela sua força interior. O terreno é
necessário, mas não seria fecundo sem a semente. Acredite mais na Palavra de
Deus! Ela é a semente que contém vida. Medite-a. Faça com que ela inspire a sua
vida, as suas opções e a sua conduta. Deixe que ela o transforme e o guie.
Deixe que a presença e a palavra de Deus reinem em seu coração e você viverá no
Reino de Deus.
Conta-se
que Deus tem uma loja onde se encontram todos os presentes que alguém gostaria
de ganhar: beleza, felicidade, inteligência, gentileza, solidariedade, riqueza,
alegria, paz... Mas tudo está em forma de sementes. Deus não entrega tudo
pronto. Só confia sementes a serem plantadas e cultivadas.
Jesus certamente
viveu mais cônscio do mundo no qual ele andava do que qualquer outro homem
antes dele. E de tudo que o rodeava ele tirou ricas metáforas, que fizeram dele
um tão irresistível ilustrador e mestre.
O Senhor começou
cedo, nos seus discursos públicos, a falar com conhecimento de pescadores,
agricultores, pastores e comerciantes. Ele tirou expressivas comparações do
mundo dos reis e dos príncipes, dos servos e dos pobres, dos sacerdotes e dos publicanos,
dos juízes e dos ladrões. Ele encontrou lições na relva e nas flores, no vento
e na rocha. Ele falou muito de vinhas e trigais, de joio, de espinhos e de
cardos. Ele conhecia bem o lugar da raposa e o caminho dos lobos e das ovelhas.
Ele falou especialmente do lar, de sal e de lâmpadas, de cozinha e de limpeza,
de festas e de casamentos, de pais e de filhos. E as Suas palavras eram
maravilhosas, pelo modo como tornavam a vontade do céu tão real e clara.
Quando
o agricultor semeia, é claro que muitas das sementes vão se perder. Mas o
semeador não é tolo. Sabe que a maior parte da semente vai encontrar terra boa
e dar fruto, 30, 50 e 100 vezes mais. Faça, então, como o semeador: olhe para a
frente, olhe para o futuro. Anteveja o campo de trigo como um mar de ouro,
ondulando sob o sopro do vento. Este sonho é que leva o semeador a semear, não
obstante as dificuldades.
Observe
os perigos que o ouvinte corre, para não desperdiçar a preciosa semente. Jesus
diz que o semeador começou a semear, mas com pouca frutificação. Vejamos:
“Uma
parte caiu no caminho, e pisaram-na os homens e comeram-no as aves”. Houve
tempo em que a terra fofa e rica, igual à do resto do campo, que com o passar
dos anos, foi sendo pisada pelos passantes e pelo tráfego. A semente cai na
superfície mas não consegue penetrar. Quando o nosso coração chega a essa
condição, precisamos de pedir a Deus para retalhar a terra dura com o arado da
convicção de pecado - pensamentos levianos, fantasiosos e dispersivos - ou da
tristeza.
“Outra
parte caiu sobre as pedras, e secou-se nas pedras por falta de humidade”.
Existe o solo superficial, uma camada de pequena espessura, sob a qual se
encontra a rocha. Quantos têm, facilmente, uma reação apenas emocional – aquela
que “logo nasceu”, que não tinha raiz porque o coração era duro mas se recusam
que a verdade de Deus ganhe raízes; por isso são rapidamente dissuadidos por um
outro qualquer.
“Outra
parte do trigo caiu entre espinhos, e afogaram-no os espinhos”. Há
ricaços com os seus luxos e pobres com as suas carências, cujo coração, um solo
espinhoso, não dá a oportunidade de crescimento à semente da graça. É preciso
cuidar para que as carências do pobre, as riquezas dos opulentos e a ansiosa
busca de coisas deste mundo pelas classes intermediárias não dissipem a força
da alma de tal maneira que a Palavra de Deus venha a ser apenas uma haste
delgada sem espiga ou fruto. Não basta ouvir a Palavra; devemos aceitá-la e
produzir frutos.
Esta
parábola dá-nos, sem dúvida, um retrato de como todas as criaturas do Mundo se
armaram contra esta sementeira. Todas essas criaturas, que perseguiram o
semeador, se reduzem a quatro géneros: criaturas racionais, como os homens;
criaturas sensitivas, como os animais; criaturas vegetativas, como as plantas;
criaturas insensíveis, como as pedras. A natureza insensível o perseguiu nas
pedras, a vegetativa nos espinhos, a sensitiva nas aves, a racional nos homens.
E repare a desgraça do trigo, que onde só podia esperar que tudo desse certo,
ali achou maior afronta. As pedras secaram-no, os espinhos afogaram-no, as aves
comeram-no; e os homens? Pisaram-no.
Mas há uma sementeira que nos dá grandes esperanças, porque, ainda
que se tenham perdido os primeiros trabalhos, lograr-se os últimos. O semeador,
depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do trigo, aproveitou
a quarta e última, e colheu dela muito fruto. Provavelmente você já perdeu três
partes da sua vida: uma parte da idade foi levada pelos espinhos, outra parte foi
levada pelas pedras, outra parte foi levada pelos caminhos, mas nesta quarta e
última parte, neste último quartel da vida, que são os ouvintes que recebem a
Palavra implantada no coração fiel, a sua frutificação centuplicada
recompensará amplamente as suas lides e lágrimas. De outro modo, a aradura, a
semeadura e toda a ação da natureza serão em vão. Viva de acordo com o que você
sabe. Obediência é a chave do entendimento.
1.
“A
semente é a Palavra de Deus” (Lc. 8:11).
A
multidão curiosa que tinha ouvido a parábola do semeador não a entendeu.
Mas, então, o que esperávamos? Nem os discípulos do Senhor entenderam. “Então, lhes perguntou: Não entendeis esta
parábola e como compreendereis todas as parábolas?” (Mc. 4:13).
O
significado da semente é claramente demarcado para nós. Jesus diz que o trigo
que o semeador semeou é a Palavra de Deus. Ainda que não seja a mensagem
primária desta parábola, a verdade é que a palavra de Deus é o poder que
constrói o reino de Deus e precisa de ênfase. Os espinhos, as pedras, o caminho
e a terra boa em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados
com cuidados, com riquezas, com delícias, e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e
obstinados, e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e
perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras
que vêm, outras que atravessam, e todas passam, e nestes é pisada a palavra de
Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os
corações bons ou os homens de bom coração, e nestes prende e frutifica a
palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um.
Acho
que se pode dizer, confidencialmente que em toda a natureza não há outra
ilustração da Palavra de Deus tão verdadeira e tão significativa como a da
semente. É realmente uma dádiva divina maravilhosa poder discernir seu profundo
significado espiritual.
Não
há a menor possibilidade de apreciar carência no atributo da semente que
representa a Palavra de Deus. Paulo se refere à Palavra como viva e eficaz: “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e
mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da
alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os
pensamentos e intenções do coração” (Hb. 4:12). Pedro ressalta a
incorruptibilidade da Palavra: “Sendo de
novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de
Deus, viva, e que permanece para sempre” (I Pe. 1:23).
A
semente não poderia ser outra a não ser a Palavra de Deus, que tem vida em si
mesma! Numa símile bendita e dispensacional da Palavra: a erva foi o
Pentateuco; a espiga o Antigo Testamento; e o grão, o Novo Testamento! Oh,
bendita semente, a Palavra de Deus! O solo, o coração do homem, dilacerado pelo
pecado e pelas forças das hostes infernais, na sua proporção original, contendo
ainda os sais minerais e os ingredientes hidro-carbonatados que farão a semente
morrer e frutificar, foi criação do Altíssimo - “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine
sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda
a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” (Gn 1:26)!
A Palavra de
Deus é o poder do próprio Deus em ação. O mundo foi
criado e é mantido pela palavra de Deus (Hb. 11:3; 1:3), e o sopro divino que
está em Suas palavras (Sl. 33:6) é o sopro que nos deu a vida (Gn. 2:7). A
palavra do Todo-poderoso responde aos nossos espíritos como a luz responde aos
nossos olhos. Sua poderosa verdade viva penetra em nossos corações e põe a nu os
nossos mais íntimos pensamentos (Hb. 4:12).
Em
linguagem simples, o que esta parábola nos diz é que a própria palavra de Deus
é a semente germinante da vida (Fp. 2:16). Ela é a
palavra do evangelho que nos salva (Rm. 1:18; 1 Co. 1:21), gera (Tg.
1:18), regenera (1 Pe. 1:23), liberta (Jo. 8:32), produz fé (Rm. 10:17),
santifica (Jo. 17:17) e nos atrai a Deus (Jo. 6:44-45). É a “palavra da sua graça” que nos edifica e garante a nossa
herança entre o povo de Deus (At. 20:23). É
por esta própria palavra viva, que transmite energia, que o Espírito Santo não
somente nos leva ao renascimento espiritual (Ef. 1:13), como também nos
transforma na imagem do Filho de Deus. E tudo isto é possível porque em suas
palavras Deus nos abriu Seu coração e derramou as profundezas de Sua verdade e
graça (1 Co. 2:10-13). No evangelho, ele nos fez olhar na face de nosso
crucificado Salvador (2 Co. 3:18). E isso tem poder!
É,
portanto, sacrilégio homens e mulheres falarem do evangelho como “mera palavra”
e rirem da ideia que o evangelho por si só é capaz de produzir uma nova e
inconquistável vida espiritual. Não é prudente falar tão levianamente de
palavras que saem da boca de Deus ou insultar o céu tentando fortificar esta
palavra “inadequada” com nossas vãs filosofias (Cl. 2:8-10; Pv. 30:5-6). Até
Satanás sabe onde está o poder. “A que
caiu à beira do caminho são os que a ouviram; vem, a seguir, o diabo e
arrebata-lhes do coração a palavra, para não suceder que, crendo sejam salvos”
(Lc. 8:12).
A Palavra de
Deus pode ser falada para vários tipos de pessoas. No entanto, os resultados
serão diferentes como diferente é a qualidade dos corações que ouvem a Palavra.
Assim, alguns vão rejeitá-la, outros irão aceitá-la até a aflição chegar, e os
outros vão recebê-la, mas eventualmente irão colocá-la em última posição
colocando outras coisas (cuidados, riquezas, outros desejos) acima dela, e,
finalmente, outros vão mantê-la em um coração bom e honesto onde darão frutos.
É por isso que Jesus, terminando a interpretação da parábola, disse: “Acautelai-vos, vede como ouvis” (Lc.
8:18).
Aqui
há uma lição para o ouvinte. O fruto produzido depende da resposta dada à
Palavra. É decisivamente importante ler, estudar e meditar sobre as Escrituras.
A palavra tem que vir habitar em nós (Cl. 3:16), para ser implantada em nosso
coração (Tg. 1:21) e, assim, sempre que falarmos aquilo que a Bíblia diz sobre
um dado assunto estaremos semeando o amor do Pai no coração das pessoas e,
certamente, ela brotará em suas vidas. Temos que permitir que as nossas ações, as
nossas palavras e as nossas próprias vidas sejam formadas e moldadas pela
palavra de Deus. O importante não está só no ouvir a Palavra, mas sim como se ouve, pois muitos podem ouvir a
Palavra, mas apenas aqueles que a ouvem e a mantém em um coração bom e honesto
serão frutíferos.
Uma
safra sempre depende da natureza da semente, não do tipo da pessoa que a
plantou. Um pássaro pode plantar uma castanha: a árvore que nascer será um
castanheiro, e não um pássaro. Isto significa que não é necessário tentar
traçar uma linhagem ininterrupta de fiéis cristãos, recuando até o primeiro
século. Há força e autoridade próprias da palavra para produzir cristãos como
aqueles do tempo dos apóstolos. A palavra de Deus contém força vivificante. O
que é necessário é homens e mulheres que permitam que a palavra cresça e
produza frutos em suas vidas; pessoas com coragem para quebrar as tradições e
os padrões religiosos em volta deles, para simplesmente seguir o ensinamento da
Palavra de Deus. Hoje em dia, a palavra de Deus tem sido frequentemente
misturada com tanta tradição, doutrina e opinião que é quase irreconhecível.
Mas se pusermos de lado todas as inovações dos homens e permitirmos que a
palavra trabalhe, podemos tornar-nos fiéis discípulos de Cristo justamente como
aqueles que seguiram Jesus há mais de 2000 anos atrás. A continuidade depende
da semente.
A
semente é aparentemente insignificante, uma coisa pequenina comparada com a
árvore que irá produzir. A vida está encerrada nela e incubada. Necessita de
solo adequado, sem o qual o seu desenvolvimento é impossível. O desenvolvimento
é lento e põe à prova a paciência daquele que dela cuida. Através do fruto, a
semente se reproduz e se multiplica. Em todos esses aspetos, ela ensina-nos
lições muito preciosas quanto ao uso da Palavra de Deus.
Em
primeiro lugar, ensina-nos a lição da fé. A fé não olha
para as circunstâncias. Pelas aparências não seria provável que a Palavra de
Deus desse vida à alma, operasse em nós a sua maravilhosa graça, transformasse
por completo o nosso caráter, ou nos enchesse com a sua força. No entanto, isso
acontece! Quando aprendemos a acreditar que a Palavra pode realizar aquilo que
diz, estamos de posse de um dos mais importantes segredos do estudo bíblico.
Receberemos, então, cada palavra como a garantia e o poder de uma operação
divina.
Em
segundo lugar, ensina-nos a lição do trabalho. A semente
precisa de ser colhida, guardada e plantada em solo devidamente preparado. Do
mesmo modo, a mente precisa de recolher das Escrituras e discernir as palavras
que vão ao encontro das nossas necessidades, e então transferi-las para o
coração, como o único solo em que essa divina semente pode desenvolver-se. Não
somos nós que lhe propiciamos vida ou desenvolvimento. Nem precisamos de fazer
tal coisa; já ali está. Tudo o que podemos fazer é abrigar a Palavra em nosso
coração, ali a conservar, esperando pelo sol que vem do alto.
Em
terceiro lugar, ensina-nos a lição da paciência. Em muitos
casos, o efeito da Palavra no coração não é imediato. Leva tempo para
arraigar-se e depois se desenvolver. As palavras de Cristo precisam de habitar
em nós. Precisamos de, dia após dia, não somente aumentar o nosso stock de
conhecimento bíblico – o que se assemelha ao stock de grãos no celeiro –, mas
também zelar pelas ordenanças e promessas recolhidas com tanto cuidado, e
permitir que elas encontrem lugar em nosso coração, a fim de desenvolver raízes
e galhos. Precisamos de saber que tipo de semente vamos colocar em nosso
coração e cultivar uma espera vigilante e paciente. No devido tempo ceifaremos,
se não desanimarmos.
Finalmente,
em quarto lugar, vem a lição da produtividade. Não importa
quão insignificante possa parecer a pequena semente da Palavra de Deus, quão
frágil ela possa afigurar-se, quão profundamente escondida ela possa estar ou
quão exasperante possa ser a morosidade com que se desenvolve; pode-se ficar
confiante que o fruto virá. A verdade, a vida e o poder de Deus, contidos na
Palavra, vão se desenvolver dentro do indivíduo. Do mesmo modo que a semente
produz fruto com a mesma semente para nova reprodução, a Palavra lhe dará
fruto, que será levada a outras pessoas, a fim de lhes dar vida e bênção.
Cada
conversão é o resultado do assentamento do evangelho dentro de um coração puro.
Como o evangelho se espalhava no primeiro século, foi-nos dito muito pouco
sobre os homens que o divulgaram, porém muito nos foi dito sobre a mensagem que
eles disseminaram (estude o livro de Atos e note que em cada cidade para onde
os apóstolos viajaram, os homens eram convertidos como resultado da palavra que
era ensinada). A importância das Escrituras deve ser ressaltada ao máximo.
Isto
significa que temos que ensinar a palavra. Não há substitutos permitidos.
Frequentemente, as pessoas raciocinam que haveria uma colheita maior se alguma
outra coisa fosse plantada. Então, as igrejas começam a experimentar outros
meios, de modo a conseguir mais adeptos. Elas recorrem a divertimentos, festas,
desportos, aulas de Inglês, bandas, eventos sociais e muitas outras coisas para
tentar atrair as pessoas que não estariam interessadas, se pregassem somente o
evangelho. Nosso Pai celestial nos disse qual semente plantar: a palavra de Deus. Não é nosso trabalho
analisar o solo e decidir plantar alguma outra coisa, esperando receber
melhores resultados. A colheita do evangelho pode ser pequena (se o solo for
pobre), mas Deus só nos deu permissão para plantar a palavra. Somente plantando
a Palavra de Deus nos corações dos homens o Senhor receberá o fruto que espera.
Ou, usando uma figura diferente: as Escrituras são a isca de Deus para atrair o
peixe que Ele quer salvar. Precisamos de aprender a ficar satisfeitos com o Seu
plano.
É
belo este modo de proceder! É exemplar esta pedagogia! É apelativa esta
proximidade para todos os que são chamados a lançar a semente da Palavra no
coração humano, tendo em conta o pulsar do seu ritmo, das suas alegrias e
dores.
A parábola que Jesus conta para nós, hoje, é uma das
palavras do Senhor que nos dá uma compreensão maravilhosa da presença do Reino
de Deus no nosso meio: “A Parábola do semeador”. O Reino de Deus é como um
homem que sai a semear e a Palavra de Deus é a semente.
Quem já viveu no campo sabe como é a semente: ela é
lançada na terra, vai cair, vingar, crescer e se tornar uma árvore esplendorosa
e vai produzir muitos frutos. No entanto, muitas sementes não chegam nem a
entrar na terra, elas se perdem pelo caminho, os pássaros vêm e as comem.
Outras sementes até começam a crescer, a vingar, mas o terreno é rochoso é
pedregoso, então elas não entram no solo com profundidade, ou vêm a chuva, o
temporal ou qualquer coisa que levam aquelas sementes embora.
A Palavra de Deus que é semeada em nosso coração tem a
mesma sintonia: nós a escutamos e a achamos bonita, mas nós somos tão
distraídos que a primeira distração que vem à nossa frente rouba a Palavra de
Deus que está em nós. Quando estamos no culto na igreja, quanta distração vem à
nossa cabeça, o quanto nós estamos, muitas vezes, avoados, preocupados com as
coisas, e esta Palavra não cresce em nós. Outras vezes, até permitimos que esta
Palavra cresça, a achamos bonita, guardamos aquela Palavra, mas nos faltam
constância e perseverança.
Nós nos animamos com qualquer outra coisa, deixamo-nos
levar por qualquer outra realidade e a Palavra que foi lançada em nosso coração
é roubada e não cresce nem produz frutos. Mas, o pior ainda é quando deixamos
nos levar pelas preocupações do mundo, pela ilusão das riquezas, dos bens
materiais e de tudo aquilo que a vida nos oferece. Isso contagia tanto os
nossos olhos, que acabamos por perder a direção do Reino de Deus e nos deslumbramos
com aquilo que o mundo nos apresenta.
E tantas vezes, perguntamos: ”Meu Deus, por que eu não
vivo a Tua Palavra? Por que eu não coloco a Tua Palavra em prática?” Porque o
nosso coração se deixa iludir, o nosso coração se deixa enganar por outras
tentações, por outras coisas que, aparentemente, parecem melhores e mais
agradáveis do que a Palavra de Deus.
Por isso, permita-me que hoje lhe diga: Deixe essa
Palavra cair no seu coração, medite-a, guarde essa Palavra, guarde-a como um
tesouro para a sua vida, para o seu coração, para a sua família e não deixe que
nenhum vento, nenhum pássaro, nenhuma tentação e nenhuma tribulação roubem essa
semente maravilhosa, que é a Palavra de Deus semeada no seu coração!
Que essa Palavra produza frutos na sua vida: ou trinta, ou sessenta ou
cem por um. Que essa Palavra multiplique os frutos do Reino de Deus no seu
coração! Que no seu coração a Palavra de Deus seja fecunda e produza muitos
frutos!
2.
O Crescimento
no Reino de Deus.
Com
que presteza o Mestre observava o significado dos símbolos naturais! Para Ele
todas as coisas eram desdobramentos do ministério eterno, e os caminhos dos
homens, inconscientemente. Espelhavam o invisível. Há “alqueires” em sua vida?
Use-os como suportes onde colocar as lâmpadas, e não como cobertura para
ocultá-las. Todos os segredos serão revelados; cuidado com o que você diz. O
que medimos retorna a nós; tenhamos cuidado com a maneira como medimos. A
misteriosa cooperação de Deus na obra da Natureza e o processo gradual de
crescimento se assemelham à colaboração do Espirito Santo com todos os fiéis
semeadores da Palavra, e aos estágios imperceptiveis através dos quais a alma
alcança a maturidade.
O
crescimento de um Reino de amor e de justiça, tão sonhado por Deus, depende da
disposição dos semeadores, por isto, um semeador nunca deve se deixar levar
pelo pessimismo, pelo desânimo, pois o seu trabalho nunca será em vão, já que
muitas sementes cairão em terra boa e certamente produzirão muitos frutos!
O
reino de Deus é a expressão bíblica que melhor designa a realidade nova
anunciada por Jesus: Deus é Pai, nós somos os filhos deste Pai comum e, por
isso, irmãos por natureza e por graça. Os bens pertencem a todos por mandato
divino, a biodiversidade faz parte da harmonia e do equilíbrio dos seres criados
e dos sistemas em que se desenvolvem, a vida é “sagrada” e, enquanto peregrina
na terra a caminho da situação definitiva, está marcada pelas regras do tempo e
da cultura. A convivência social alicerçada no amor e na justiça constitui uma
das manifestações humanas mais qualificadas do “rosto” público deste reino em
germinação na história.
Jesus
disse “O reino de Deus é assim como se um
homem lançasse a semente à terra; depois, dormisse e se levantasse, de noite e
de dia, e a semente germinasse e crescesse, não sabendo ele como. A terra por
si mesma frutifica: primeiro a erva, depois, a espiga, e, por fim, o grão cheio
na espiga. E, quando o fruto já está maduro, logo se lhe mete a foice, porque é
chegada a ceifa” (Mc. 4:26-29)
Nesta,
que é uma parábola alegórica do Reino, que abre a porta das coisas celestiais
para a nossa instrução, nos ensina exatamente isto. A aplicação dela para nós é
mostrar como a resposta que damos a Deus pode determinar um futuro abençoado ou
desastroso.
Deus
é soberano em tudo. Ele faz tudo como lhe agrada, no entanto a Bíblia está
permeada da ação de Deus como uma resposta humana ao seu comando, de tal forma
que a nossa resposta a uma ação de Deus pode apontar para o resultado.
De
maneira parcial o Reino de Deus está dentro de cada uma de nós. Não estamos
completos, não somos perfeitos, não entendemos a vontade de Deus completamente,
não reagimos à altura da santidade de Deus, no entanto o processo já começou.
Já somos novas criaturas (2 Co. 5:17), já temos o Espírito Santo em nós (1 Co.
3:16), já temos o nosso nome escrito no livro da vida (Ap. 3:5), já estamos em
processo de santificação (Hb. 12:114). Já temos os recursos espirituais para
responder positivamente à orientação de Deus.
Tudo
aqui começa com a semente que é a Palavra de Deus (v. 19), como no início do
mundo que começa com a expressão: Disse Deus. A semente representa a Palavra do
Reino ou a sua mensagem, a mensagem de Cristo, que transforma o coração, mas
que exige resposta positiva do ouvinte.
Os
judeus pensaram que a vinda do Reino significava a instalação extraordinária de
um novo sistema perante o qual ninguém poderia se opor. O Reino de Deus iria
abalar as nações (Dn. 2:44), o domínio dos governantes seria destruído e todas
as nações serviriam ao Senhor. Numa aparente discordância, Jesus declarou que o
Reino de Deus pode ser iniciado com uma sementezinha plantada no coração do
homem. O Reino está operando secretamente entre os homens e não se impõe pela
força. Quando uma pessoa é exposta à Palavra de Deus, a fé nasce, pois a fé vem
pela pregação (Rm. 9:17).
Sendo
assim não podemos abrir mão da pregação da Palavra do Senhor. Precisamos tanto de
ouvi-la quanto pregá-la, pois só assim, a semente plantada, germinará a seu
tempo.
Jesus
ao ver um camponês fazer a semeadura percebeu que ali estava a oportunidade de
dar uma grande lição sobre os ministérios do Reino de Deus que dão a entender a
intenção e a vontade de Deus em relação à vida humana.
E
esta parábola que Jesus contou narra o trajeto de um certo trabalhador que
lançando mão de sementes saiu para semear em quatro tipos de solo (coração),
que têm características diferentes, assim sendo, interferem no resultado final
do investimento. Narra histórias sobre os acontecimentos do dia-a-dia que Ele
usava para ilustrar verdades espirituais. Esta história fala de um fazendeiro
que lançou sementes em vários lugares com diferentes resultados, dependendo do
tipo do solo.
A
história em si é simples: “Eis que o
semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho; foi
pisada, e as aves do céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e, tendo
crescido, secou por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e,
estes, ao crescerem com ela, a sufocaram. Outra, afinal, caiu em boa terra;
cresceu e produziu a cento por um” (Lc. 8:5-8). Estes vários tipos de
terrenos exemplificam bem as várias reações dos homens diante da Palavra de
Deus. A resposta ali é a resposta que damos ainda hoje. Que resposta dará hoje a
Deus? Como cada um de nós reagirá diante da semente lançada em nosso coração?
“Este
grande frutificar da palavra de Deus é o em que reparo hoje; e é uma dúvida ou
admiração que me traz suspenso e confuso. Se a palavra de Deus é tão eficaz e
tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus? Diz o Senhor que a
palavra de Deus frutifica cento por um, e já eu me contentaria se frutificasse
um por cento. Se com cada cem pregações se convertesse e emendasse um homem, já
o Mundo era salvo e santo. Este argumento de fé, fundado na autoridade de
Cristo, se aperta ainda mais na experiência, comparando os tempos passados com
os presentes. Leiamos as histórias de tantos servos do Senhor, e achá-las-emos todas
cheias de admiráveis efeitos da pregação da palavra de Deus. Tantos pecadores
convertidos, tanta mudança de vida, tanta reformação de costumes; os grandes
desprezando as riquezas e vaidades do Mundo; os reis renunciando os ceptros e
as coroas; as mocidades e as gentilezas metendo-se pelos desertos e pelas covas;
e hoje? – Nada disto. Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem
tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é
tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva,
não há um jovem que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto?
Assim como Deus não é hoje menos omnipotente, assim a sua palavra não é hoje
menos poderosa do que era dantes. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se
a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque vemos hoje tão pouco fruto
da palavra de Deus?
Se a
palavra de Deus no Mundo faz pouco fruto, só pode proceder de um de três
princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de
Deus. Para uma alma se converter por meio de uma pregação, tem que haver três elementos:
o pregador pregando a Palavra de Deus, persuadindo; o ouvinte com o
entendimento, percebendo; e Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a
si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem o espelho e
é cego, não se pode ver por falta de vista; se tem espelho e vista, e é de
noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, é preciso haver luz, espelho e vista.
Para esta vista são necessários os olhos, é necessária a luz e é necessário o espelho.
O pregador contribui com o espelho, que é a doutrina; Deus contribui com a luz,
que é a graça; e o homem contribui com os olhos, que é o conhecimento. Ora,
supondo que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três elementos:
de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta?
Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?
Primeiramente,
por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé, conforme
a temos definida no Evangelho. Do trigo que deitou à terra o semeador, uma
parte se logrou e três se perderam. E porque se perderam estas três? – A
primeira perdeu-se, porque os espinhos a afogaram; a segunda, perdeu-se, porque
as pedras a secaram; a terceira perdeu-se, porque os homens a pisaram e as aves
a comeram. Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz. Não diz que parte
alguma daquele trigo se perdeu por causa do sol ou da chuva. A causa por que
ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança
dos tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol.
Pois porque não introduz Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se
perdesse por causa do sol ou da chuva? – Porque o sol e a chuva são as
influências da parte do Céu, e deixar de frutificar a semente da palavra de
Deus, nunca é por falta do Céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar
a sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou
pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso
nunca é nem pode ser. Deus sempre está pronto da sua parte, com o sol para
aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva para
amolecer, se os nossos corações quiserem: “Deus
faz nascer o sol sobre os bons e os maus e chover sobre os justos e os injustos”
(Mt. 13:45). Se Deus dá o seu sol e a sua chuva aos bons e aos maus; aos maus
que se quiserem fazer bons, como a negará? Este ponto é tão claro que não há mais
nada para que nos detenhamos em mais prova. “Que tive eu de fazer à minha vinha e não fiz?” (Is. 5: 4).
Sendo,
pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus,
segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual
será? Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fosse por
parte dos ouvintes, não fazia a palavra de Deus muito grande fruto, mas não
fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes.
Os
ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, a palavra de Deus faz fruto neles;
se são maus, ainda que não faça fruto neles, faz efeito. No Evangelho o temos.
O trigo que caiu nos espinhos nasceu, mas foi afogado poe eles. O trigo que
caiu nas pedras nasceu também, mas secou-se. O trigo que caiu na terra boa,
nasceu e frutificou com grande multiplicação. De maneira que o trigo que caiu
na boa terra nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou,
mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão fecunda, que nos bons faz muito fruto
e é tão eficaz que nos maus, ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos
espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não
frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de
Deus são as pedras e os espinhos. E porquê? – Os espinhos por que são agudos,
as pedras por que são duras. Os piores ouvintes que há são os de entendimentos
agudos e os de vontades endurecidas. Os ouvintes de entendimentos agudos são
maus ouvintes, porque vêm só para ouvir subtilezas, para esperar galantarias, para
avaliar pensamentos, e às vezes também para picar a quem os não pica. O trigo
não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele. Muitos pensam que a pregação
os picou a eles, mas não é assim; eles são os que picam a pregação. Por isto, os
de entendimentos agudos, são maus ouvintes. Mas os de vontades endurecidas
ainda são piores, porque um entendimento agudo pode ferir pelos mesmos fios, e
vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma
coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais
agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra. Oh! Deus livra-nos de
vontades endurecidas, que ainda são piores que as pedras! A vara de Moisés abrandou
as pedras, e não pôde abrandar uma vontade endurecida: “Batendo a vara duas vezes na pedra,
rebentaram abundantes águas” (Nm. 20:11). “Endureceu o coração de Faraó” (Êx. 7:13). E mesmo sendo os ouvintes
de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas os mais rebeldes,
a força da divina palavra é tanta, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos,
e apesar da dureza nasce nas pedras.
Poderíamos
argumentar com lavrador do Evangelho o porquê de não cortar os espinhos e de
não arrancar as pedras antes de semear. Mas, as pedras e os espinhos, foram deixados
no campo para que se visse a força do que semeava. É tanta a força da divina
palavra, que, sem cortar nem despontar os espinhos, nasce entre os espinhos. É
tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar as pedras, nasce
nas pedras. Corações embaraçados como espinhos, corações secos e duros como
pedras, ouvi a palavra de Deus e tende confiança! Tomai exemplo nessas mesmas
pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao
semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses
mesmos espinhos o coroem.
Quando
o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram
para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa. E
se a palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de
Deus até nas pedras e nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a
palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa de Deus, nem por
indisposição dos ouvintes, mas por consequência clara, por parte do pregador. E
assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa
dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? –
Por culpa nossa.
Antigamente
convertia-se o Mundo, hoje porque se não converte ninguém? Porque hoje
pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras.
Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David
derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra: “Uma
pedra lhe acertou na cabeça” (1 Rs. 17:49). As vozes da harpa de David lançavam
fora os demónios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca,
eram vozes formadas com a mão: “David
levava a harpa e tocava-a com a sua mão” (1 Rs 16:23). Por isso Cristo comparou
o pregador ao semeador. O pregar que é falar, faz-se com a boca; o pregar que é
semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao
coração, são necessárias obras. Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou
cento por um. Que quer isto dizer? Quer dizer que de uma palavra nasceram cem
palavras? – Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras. Pois
palavras que frutificam obras, vede se podem ser só palavras! Quis Deus
converter o Mundo, e que fez? – Mandou ao Mundo seu Filho feito homem. Notai. O
Filho de Deus, enquanto Deus, é a palavra de Deus, não é obra de Deus. O Filho
de Deus, enquanto Deus e Homem, é a palavra de Deus e obra de Deus juntamente. Na
união da palavra de Deus com a maior obra de Deus consistiu a eficácia da
salvação do Mundo. O Verbo Divino é a palavra divina; mas importa pouco que as
nossas palavras sejam divinas, se forem desacompanhadas de obras. A razão disto
é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos
ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos
olhos que pelos ouvidos. No Céu ninguém há que não ame a Deus, nem possa deixar
de o amar. Na terra há tão poucos que o amem, todos o ofendem. Deus não é o
mesmo, e tão digno de ser amado no Céu e na Terra? Pois como no Céu obriga e
necessita a todos a o amarem, e na terra não? A razão é porque Deus no Céu é
Deus visto; Deus na terra é Deus ouvido. No Céu entra o conhecimento de Deus à
alma pelos olhos; na terra entra-lhe o conhecimento de Deus pelos ouvidos; e o
que entra pelos ouvidos crê-se, o que entra pelos olhos necessita. Se os
ouvintes vissem em nós o que nos ouvem a nós, o abalo e os efeitos do sermão seriam
muito outros.
Será
porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Cristo comparou o pregar ao
semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza do que de arte. Nas
outras artes tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na arquitectura tudo
se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geometria tudo se faz
por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte, caia onde cair. Vede
como semeava o nosso lavrador do Evangelho. “Caía o trigo nos espinhos e nascia”.
“Caía o trigo nas pedras e nascia”. “Caía o trigo na terra boa e nascia”. Ia o trigo
caindo e ia nascendo.
O
pregar tem de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja. O pregar
não é recitar. O que sai só da boca pára nos ouvidos; o que nasce do juízo
penetra e convence o entendimento. As razões próprias nascem do entendimento, as
alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão
pelo entendimento.
Em
conclusão, a causa de os pregadores não fazerem hoje fruto com a palavra de
Deus, nem é a circunstância da pessoa; nem a da matéria; nem a da voz. Moisés
tinha fraca voz; Amós tinha grosseiro estilo; Salomão multiplicava e variava os
assuntos; Balaão não tinha exemplo de vida; o seu animal não tinha ciência; e
contudo todos estes, falando, persuadiam e convenciam. Pois se nenhuma destas
razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem o bastante
do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente que é a
verdadeira causa?
A
causa por que se faz hoje tão pouco fruto com tantas pregações é porque as
palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que
ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como dizia) é tão poderosa e tão
eficaz, que não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e nos espinhos
nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, então a esses
o Espírito Santo diz: “Quem semeia ventos, colhe tempestades”. Se os pregadores
semeiam vento, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus,
como não há-de a Igreja de Deus passar por tormenta, em vez de colher fruto?
Mas,
será que muitos os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das
Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal.
Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus. As palavras de Deus,
pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no
sentido em que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras
do Demónio. O Demónio tentou a Cristo dizendo-lhe que fizesse das pedras pão. Ao
que o Senhor lhe Respondeu: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra,
que procede de Deus. Vendo o Demónio que o Senhor se defendia da tentação com a
Escritura, leva-o ao Templo, e alegando o lugar do salmo 40, diz-lhe desta
maneira: “Deita-te daí abaixo, porque prometido está nas Sagradas Escrituras
que os anjos te tomarão nos braços, para que te não faças mal”. De sorte que
Cristo defendeu-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a
Escritura. Todas as Escrituras são palavra de Deus; pois se Cristo toma a
Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar
a Cristo? – A razão é porque Cristo tomava as palavras da Escritura em seu
verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura em sentido alheio
e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras
de Deus, tomadas em sentido alheio, são armas do Diabo. As mesmas palavras que,
tomadas no sentido em que Deus as disse, são defesa, tomadas no sentido em que
Deus as não disse, são tentação. Eis aqui a tentação com que então quis o Diabo
derribar a Cristo, e com que hoje lhe faz a mesma guerra do pináculo do templo.
O pináculo do templo é o púlpito, porque é o lugar mais alto dele. O Diabo
tentou a Cristo no deserto, tentou-o no monte, tentou-o no templo: no deserto,
tentou-o com a gula; no monte, tentou-o com a ambição; no templo, tentou-o com
as Escrituras mal interpretadas, e essa é a tentação de que mais padece hoje a Igreja,
e que em muitas partes tem derribado dela, senão a Cristo, a sua fé.
Miseráveis
de nós, e miseráveis dos nossos tempos! Pois neles se veio a cumprir a profecia
de Paulo: “Virá tempo, diz Paulo, em que os homens não sofrerão a doutrina sã”.
“Mas para seu apetite terão grande número de pregadores feitos a montão e sem escolha,
os quais não façam mais que adular-lhes as orelhas”. “Fecharão os ouvidos à
verdade, e abri-los-ão às fábulas”. Fábula tem duas significações: quer dizer
fingimento e quer dizer comédia; e tudo são muitas pregações deste tempo. São
fingimento, porque são subtilezas e pensamentos aéreos, sem fundamento de verdade;
são comédia, porque os ouvintes vêm à pregação como à comédia; e há pregadores
que vêm ao púlpito como comediantes.
Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as
soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as invejas, contra as
cobiças, contra as sensualidades. Veja o Céu que ainda tem na terra quem se põe
da sua parte. Saiba o Inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a
palavra de Deus, e saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdecer e
dar muito fruto.” (Pe. A. Vieira)
3.
Os Solos
1)
À Beira do
Caminho – Coração Endurecido (Mt. 13:4,19; Mc. 4:15 e Lc. 8:12)
“…uma parte caiu à beira do caminho…” (13:4). Quanto
à disposição desta semente que caiu na beira do caminho, Lucas
acrescenta, “foi pisada”
(Lc. 8:5).
Os
campos da Palestina eram pequenos e irregulares, marginados por caminhos
estreitos endurecidos pelo perpétuo pisoteio. E frequentemente, quando o
plantador espalhava a sua semente sobre o solo recém-arado com largos lances de
sua mão, alguma cairia e dançaria sobre a superfície dura, resistente, da “beira
do caminho” onde todo o seu rico potencial por fim se tornava alimento para as
aves.
O
solo impenetrável, na história de Jesus, representa os ouvintes cujos corações
estão endurecidos pela obstinação e o orgulho, corações que se tornaram a
estrada de mil tempestuosas paixões, corações que em seu consciente compromisso
com o mal não podem suportar a dor da honestidade. Simboliza a dificuldade que
a pessoa tem de absorver a Palavra, por se deixar influenciar por ensinamentos
(heresias), que contrariam os princípios da palavra de Deus, se tornando duro e
impenetrável. Jesus já previa isto quando citou o profeta Isaías (Mt. 13:14 e
15). Há pessoas que não têm sensibilidade alguma para as coisas do mundo
espiritual, algumas por não terem nascido de novo (1 Co. 2:14), outras por não
querer ouvir, fazendo-se de surdos, não querendo ouvir a sã doutrina (2 Tm.
4:3).
Pensamos
imediatamente nos fariseus, e eles certamente estavam no quadro. Os seus
preconceitos arrogantes e egoístas sobre o reino de Deus, os seus sonhos de
esplendor e poder carnal, tornavam impossível para eles ver Jesus como o
Messias ou escutar as suas palavras como as de Deus, ou seja por presunçosa
satisfação própria, ou por uma orgulhosa necessidade de saber tudo já, ou temor
de exposição a alguma desconfortável nova verdade sobre si mesmos, as suas
mentes estavam trancadas contra o Senhor e seu evangelho. Hoje em dia, muitos
seguem na trilha deles, tão cheios de uma caricatura moderna de Jesus que não
podem ver o verdadeiro Cristo nem escutar suas palavras reais.
Quem
é superficial não coloca paixão naquilo que faz. Quem não tem profundidade no
seu modo de ser ouve a Palavra, mas, diante da perseguição, logo sucumbe. Possivelmente,
você conhece pessoas que são ouvintes da Palavra de Deus, do evangelho da graça
e não a entendem, são indiferentes quanto à salvação, e outras indiferentes em
relação à santificação. A Palavra faz a salvação fluir, mas algumas pessoas
endurecem de tal maneira que a semente fica exposta e vulnerável ao pássaro
Satanás, (conforme Marcos), o diabo (conforme Lucas), o iníquo (conforme
Mateus), que retira com facilidade a semente plantada, para não suceder que,
crendo, sejam salvos.
“E assim como a semente, ao cair em solo duro
e seco, não tem produção alguma, assim também as palavras de Jesus cai sobre
tal pessoa sem realizar coisa alguma. E o resultado é a perda da semente,
porque o maligno não demora a interferir” (Champlin).
O chamado de Deus para nós é o de não
endurecermos o coração, como Israel o fez no deserto e pagou um preço altíssimo
(Hb. 3:7-11).
2)
Terreno Rochoso – Coração Sem Profundidade (Mt. 13:22; Mc
4:18 e Lc 8:13)
Esta
não era a terra misturada com incontáveis pedrinhas, mas um solo com menos de
meio palmo de profundidade, sobre uma laje enterrada. Não havia lugar para a
planta enraizar-se. Onde há pouca terra as pedras ficam perto da superfície do
solo, a semente germina e a planta, profusa e luxuriantemente, cresce rápido. Mas
o calor do sol revelou a sua fraqueza. Ela floresceu nos dias frescos, mas
morreu nos dias quentes, incapaz de suportar o próprio sol que, fossem as
raízes mais profundas, tê-la-ia tornado ainda mais forte, porque o calor do dia
preservado nas pedras fornece força necessária para a semente germinar, mas como
a planta não tem raízes profundas, morre também rápido.
Este
solo, explicou Jesus, era como o homem “que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; mas não tem raiz em si
mesmo, sendo, antes, de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a
perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza” (Mt.
13:20-21).
O
que significa isso? O primeiro homem, representado pelo solo endurecido, não
sente atração alguma pela mensagem, e nem fica impressionado com ela. Este
segundo homem, simbolizado pelo solo raso, é exatamente o oposto, é um coração
divido, ou melhor, um coração que mantêm uma capa de falsidade, sente atração
imediata, porém superficial. Evidencia aparência de fertilidade, contudo, sob
ele as pedras impedem a semente de enraizar, crescer e produzir frutos. Este
tipo de pessoa recebe a palavra de Deus com entusiasmo, dando a impressão que
houve arrependimento e salvação. No entanto, no primeiro momento de angústia ou
perseguição, se escandaliza e apostata da fé. É um homem de disposição
superficial, que facilmente pode ser estimulado, mas também facilmente poder
desanimar na caminhada cristã.
O
coração raso é apaixonado, mas apressado. O evangelho deveria trazer sempre alegria,
mas precisa de ser uma alegria profunda, o bastante para suportar os choques.
Ela precisa de ser o tipo de alegria que o tempo e a circunstância não podem
tirar de nós (Jo. 16:22-24). Precisa de ser a alegria pela coisa justa (Lc.
10:17), e precisa de ser uma alegria que vê a perseguição e o sofrimento por
amor de Cristo como um privilégio e uma bênção (Lc. 6:22-23). Precisamos de seguir
os passos de nosso Senhor, “o qual,
em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso
da ignomínia” (Hb. 12:2). Tornar-se um cristão é certamente uma
experiência emocional, mas é também uma experiência da mente e da vontade.
O
falso calor da emoção cria de imediato uma expressão de intensa religiosidade,
mas a falsidade dessa expressão não pode perdurar muito com entusiasmo. Logo
aparecem os sinais de morte, logo a alegria desaparece, a intensidade diminui e
a vida em potencial fenece. Porque o evangelho não desceu profundamente dentro
de seu entendimento e vontade. Assim, quando as circunstâncias mudam, quando os
dias difíceis de perseguição e adversidade chegam, não há raiz profunda de fé
para sustentá-los. Eles não tinham pensado profundamente no reino e em seu
eterno valor.
Esta
é a própria razão pela qual aquele que vem muito rapidamente seguir Jesus
precisa de parar e pensar sobre o que isso significa. É por amor de nós que o
Senhor frequentemente esfria nosso entusiasmo descuidado, advertindo-nos a
parar um momento e calcular o custo (Lc. 9:57-58). Ele quer que o acompanhemos
todo o tempo e não que sejamos descarrilados por alguma dificuldade imprevista
para um reino ao qual não chegamos a dar um valor suficientemente alto. É minha
opinião que nada mais precisa de ser ensinado hoje às pessoas interessadas no
evangelho, religiosas ou não religiosas, do que o custo do discipulado. Aqueles
que veem ao reino e sobrevivem precisam estar profundamente comprometidos com
Jesus.
Tiago
fala da possibilidade de termos o ânimo dobre, o coração dividido, e assim
fazendo não agradamos a Deus inteiramente (Tg 4:8). Esse é o símbolo de uma
pessoa que se alegra com a Palavra de Deus, mas que não quer pagar o preço do
discipulado quando chegam a angústia e a perseguição.
O
discipulado envolve sofrimento. Ninguém deve esperar que a caminhada após Jesus
seja sem problemas. Os crentes são tão acometidos de dissabores quanto os
incrédulos. A tragédia, a destruição e a morte também sobrevêm aos salvos (Rm
8:18; 2 co 1:6, 7;2:4; Cl. 1:24; Tg. 5:10; 1 Pe. 4:13; 5:10).
Alguém que se propõe a seguir a Cristo e não
estiver disposto a sofrer as mazelas da vida e o preço do discipulado, morrerá
e não frutificará.
3)
O Terreno Espinhoso - Um Coração Ligado ao Mundo (Mt. 13:22; Mc.
4:7 e Lc. 8:14).
Um
solo onde juntamente com a semente, cresceram também as plantas espinhosas. Os
espinhos são aqui, os cuidados da vida. Há aqueles que receberam a palavra,
receberam o chamado, mas sempre alegam que há algo que ainda precisam resolver,
antes de viver para Deus.
Eles
sabem, conhecem a palavra, entretanto, diante das tentações, das ofertas
mundanas, dos prazeres oferecidos, das facilidades, dos atalhos, acabam
sucumbindo, são sufocados pelo pecado. Não conseguem rejeitar e renunciar à
prática de vida pecaminosa do mundo.
O
terreno espinhoso é o coração atribulado com as coisas do mundo, colocando-as
no lugar de Deus. A cobiça, quando não extinguida do coração, se transforma em
praga mortífera que sufoca e impede o desenvolvimento da planta (palavra), de
cumprir o seu papel que é crescer e produzir frutos.
Esta parte da
história de Jesus sobre o semeador não se refere à semente lançada sobre uma já
visível infestação de ervas, mas ao solo adulterado com sementes de plantas
inúteis e daninhas. O solo é rico, profundo e receptivo, mas está corrompido.
Os espinhos, que não produzirão nada de bom, simplesmente crescerão para
sobrecarregar o solo e enfraquecer a boa semente até que ela, também, fique
infrutífera. Deste solo possuído pelos espinhos Jesus diz: “O que foi semeado entre os espinhos é o que
ouve a palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam
a palavra, e fica infrutífera” (Mt. 13:22). À lista dos empecilhos
da frutificação, Marcos acrescenta: “as
demais ambições” (4:19), e Lucas em 8:14: “deleites da vida”.
Quais
são os espinhos que podem sangrar totalmente a vitalidade espiritual de um
filho de Deus? Jesus é explícito. Os cuidados deste mundo, a fascinação da
riqueza e as demais ambições, podem fazê-lo. Preocupação constante com alimento
e abrigo e o medo de não ter o suficiente não somente difamam a fidelidade de
Deus, mas permitem que ansiedade descuidada roube de Deus as energias que lhe
devemos (Mt. 6:25-34). Os cristãos que exaurem as suas forças no temor e
preocupação nunca florescerão, nem darão fruto. Por que nos enganamos? A
preocupação não é somente desgastante, é pecaminosa. Ela diz, implicitamente,
que Deus não nos ajudará e que precisamos nos arranjar sem ele.
Os
cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a Palavra nos corações de
alguns: são obstáculos do presente século. São os que amam o mundo, o sistema
atual (Mt. 16:26; Lc. 21:34, 1 Co 1:21; 1 Jo 2:15); suas riquezas (Mt. 6:24; 1
Tm 6:10); sua aparência (1 Co. 7:31); sua glória (Jo. 12:43). São os que buscam
o conforto pessoal, a fama, a posição social, o prestígio entre os homens, ao
ponto da verdadeira prática da vida espiritual se tornar impossível. Quem assim
age é sufocado e os frutos não amadurecem (Lc. 8:14). A palavra ouvida deixa de
dar frutos de vida e esperança. Esse tipo de discípulo usa as suas riquezas
para desfrutar de um tipo de via característico das pessoas essencialmente
mundanas, que possuem recursos para satisfazer os seus desejos profanos. A
sedução da riqueza sufoca a Palavra e ela se torna infrutífera. É como Ló, que
morava entre os sodomitas, adotando a moral deles, ainda que intimamente se
lembrasse da orientação de sua vida anterior. Tal discípulo, naturalmente, não
produz frutos perfeitos. Jesus indica que esse tipo de vida trará, finalmente,
a ruína do discipulado.
O
amor pelas coisas pode também sufocar efetivamente o espírito. O dinheiro e a propriedade
podem parecer tão tangíveis, tão reais e tão asseguradores, mas as riquezas são
enganadoras. Elas prometem realização, porém nunca a dão (Ec. 5:9-10). Elas
prometem segurança, mas batem asas como uma ave selvagem (Pv. 23:5).
Os
“deleites da vida” podem agir para nos sugar. O que há de errado com os prazeres?
Alguém pergunta. A vida do reino tem que ser uma longa dor de cabeça de miséria
e negação de si mesmo? A resposta à primeira pergunta é: “nada” e à segunda é “não”.
Nada há de errado com o trabalhar diligentemente por nosso alimento, ou ter
riqueza, ou gozar das coisas agradáveis que Deus nos deu ricamente (1 Tm.
6:17). Mas qualquer delas, ou todas são erradas para aqueles que tem estado “sufocados”
por elas, quando elas se tornaram a paixão de suas vidas. Algumas pessoas
deixam que estas coisas intrinsecamente legítimas as dominem tanto que elas são
possuídas e governadas por elas. Preocupações ou bênçãos legítimas tornam-se em
temor, ganância ou ansiedade. Deus e seu reino estão apinhados até os limites.
A voz de Deus se torna velada pelo clamor. As bênçãos de nosso Pai deveriam ser
uma ocasião para seus filhos agradecerem a ele e servirem-no, mas elas podem
facilmente se tornar a causa de nosso descontentamento e inutilidade.
Adam
Clarke escreveu como segue: “Estupidez horrível a do homem, pois troca, dessa
maneira, bens espirituais por bens temporais; a herança celeste por vantagens
terrenas”. Aquele que escolhe o coração dividido, o coração apinhado, diz
Jesus, não dará frutos que amadureçam (Lc. 8:14), literalmente, nunca levará
até ao fim, nunca terminará a tarefa.
Resumindo
estes três tipos de corações, poderíamos dizer que quanto ao grau de aceitação:
o primeiro não aceita jamais a palavra; o segundo aceita-a superficialmente; o terceiro
aceita-a em nível mais elevado, mas com imperfeições.
“O
primeiro caso exemplificaria a atitude infantil, desatenta, negligente; o
segundo caso exemplifica a atitude juvenil, intensa, zelosa, mas de curta
duração; o terceiro caso ilustra a atitude adulta, egoística, que tenta
adquirir os bens deste mundo. O primeiro não pode produzir nada, o segundo só
chega a brotar, o terceiro nem chega a frutificar” Alford.
4)
A Boa Terra – O Coração Que Frutifica
É
no coração exemplificado pela terra boa na parábola do semeador que o espírito
e o caráter do reino do céu são apanhados e contidos. É aqui que a parábola tem
o seu foco. As outras terras — resistentes, inadequadas e improdutivas — nos
dizem como fracassar; a terra boa nos diz como ter bom sucesso.
No
relato de Lucas, Jesus identifica a semente lançada na boa terra como o coração
aberto com fome e sede da palavra de Deus, como aquele que recebe a palavra com
“reto coração” (8:15),
como aquele que ouve atentamente e se deixa convencer pelo Espírito Santo sobre
a autenticidade e eficácia da palavra rica e poderosa para orientar o homem por
caminhos seguros, como aquele que segue os comandos da palavra, se arrepende
dos pecados e busca o perdão através de Jesus Cristo, como aquele que abre mão
de tudo o que se identifica como ídolo em sua vida (lembrando que ídolo é
qualquer coisa que ocupa o lugar de Deus). Lamentavelmente muitos cristãos
permanecem na idolatria. Peça a Deus que sonde o seu coração e lhe mostre quem
está ocupando o lugar dEle.
Esta
descrição nada tem a ver com a justiça essencial, ou mesmo com a “boa pessoa”,
mas com aquela atitude que até o maior pecador pode ter quando confrontado com
o evangelho. Isto é o coração, ainda que possa ter sido ímpio, que agora é
sincero, aberto, despido de toda hipocrisia. Como disse o Senhor, o chamado do
seu reino não é para os justos, mas para os pecadores (Lc. 5:32). E pecadores
podem, se quiserem, responder honestamente.
De
que modo o “bom e reto coração” é bom? Em Mateus, o Senhor diz que eles “ouvem a palavra e a compreendem” (Mt.
13:23). Marcos regista que eles “ouvem
a palavra e a recebem” (Mc. 4:20). O coração verdadeiro,
então, não somente ouve a palavra do reino, mas, diferente do coração duro
(solo da beira da estrada), compreende-a e recebe-a. Tudo isto torna claro que
compreender Deus não é tanto um exercício intelectual como é moral. Não é um
grande intelecto que afasta os homens do reino, mas um coração pequeno e
relutante.
Mas
há mais. Lucas acrescenta que os corações verdadeiros “... tendo ouvido de bom e reto coração,
retêm a palavra; estes frutificam com perseverança” (Lc. 8:15). Há,
no coração bom, em contraste com o coração raso (solo pedregoso), uma dimensão
de profundidade e tenacidade. Com este modo de pensar, há uma compreensão
genuína do valor do reino e uma disposição a sofrer e investir pacientemente, de
modo a possuí-lo. Tal coração chega a compreender “... qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade”
do amor, e a ser cheio de “...toda
a plenitude de Deus” (Ef. 3:18-19).
Jesus,
ao terminar a parábola dizendo: “E os que
recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra e a recebem, e dão
fruto, um a trinta, outro a sessenta, outro a cem, por um” (v. 20), está
cheio de confiança. Isto sugere diferentes graus de fidelidade ou consagração? A
responsabilidade vem a nós no reino de acordo com nossa capacidade. O fruto
produzido pode variar, porém a consagração do coração não pode. Certamente, o
Senhor nos julgará por todas as nossas oportunidades e capacidades, mas um
coração puro e singelo, é a única coisa que não é negociável.
Os
corações honestos e bons, diferentes dos corações apinhados (terreno
espinhoso), produzem frutos que dão colheita, isto é, eles cumprem o propósito
de Deus em suas vidas. Ele sabe que a hora de Deus vem e com ela a bênção duma
colheita que supera toda a compreensão. Apesar da oposição, da dureza de
coração, do sistema mundano, Deus fará com que a semente cumpra o proposto
desejado, pois ela não volta vazia (Is. 55:11). O propósito de Deus para cada
homem é vê-lo salvo, livre da opressão maligna, curado, transformado, crescendo
em conhecimento bíblico e obediência à sua palavra e sobre tudo, frutificando abundantemente
em muitos corações. “Olhem para o
camponês”, diz Jesus “bem que ele poderia desanimar diante de tantos obstáculos
que destroem e ameaçam sua plantação. Todavia não se deixa desanimar nem perde
a confiança de que obterá o fruto duma rica colheita. Como a fé de vocês é tão
pequena! Como é que ainda não tendes fé?” (Mc 4:40).
A
semente é a mesma para todos os tipos de solo, mas só um multiplica. Isso
explica o facto de várias pessoas ouvirem a mesma palavra e nem todas se
converterem, e, ainda mostra a necessidade de pregarmos a Palavra a todas as
pessoas esperando que alguns frutifiquem. É bom notar que neste último caso a
pessoa “compreende” a Palavra, mostrando a necessidade do ensino e do
discipulado.
A colheita é o alvo da semeadura e o coração
receptivo à Palavra produz frutos a cem, sessenta e trinta por um (Mt. 13:23).
Isto é, alguns produzem mais que os outros, dependendo do grau de envolvimento
com a Palavra e com o Deus da Palavra, da resposta que dão a Deus, mas todos
produzem.
Esta
parábola, no mínimo nos leva a um exame de consciência. Nos convida a refletir
sobre a importância da Palavra de Deus e os efeitos que ela causa (se
deixarmos) em nós. Por que lemos a Bíblia? “Porque
nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens
falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” – (2 Pe. 1:21). A
Bíblia é o livro de Deus. É importante que nós leiamos este livro, porque o
Deus do universo o escreveu e deseja que ele contribua para nosso
aperfeiçoamento diária.
Leia
a Bíblia diariamente. Dwigt Moody, evangelista famoso do século dezanove, ao
presentear um amigo com uma Bíblia fez a seguinte dedicatória: “Este livro vai
separar você dos seus pecados, ou os seus pecados irão separar você deste
livro”. Pense nisto!
Uma
semente germina onde cai, até mesmo entre as pedras, nas rachaduras do solo
seco, ou no meio do espinheiro, mas sem criar raízes, ela não se desenvolve,
jamais produzirá frutos! Enquanto que a palavra de Deus, a mensagem de amor a
Deus e ao próximo, no coração de quem a acolhe com alegria, com compromisso, fidelidade
e humilde anda em mansidão, em paz, é pacificador, recebe a paz e é embaixador
da paz de Cristo, é como um vulcão em constante erupção, nunca para, nunca
cansa, e nem descansa, é sempre um movimento constante, suave e belo, como as
gigantescas labaredas de fogo iluminando e aquecendo a humanidade às vezes fria
do Divino e do humano.
Conclusão
Precisamos
continuar orando para que a Palavra de Deus promova as mudanças nas pessoas
cujos corações se assemelham ao caminho, ao solo rochoso e ao solo espinhoso e
assim venham a ser salvos pela pregação da Palavra. Precisamos continuar
pregando em todo o tempo e lugar para que onde houver um coração já preparado
pelo Espírito Santo, haja salvação.
Precisamos guardar bem o nosso coração,
deixá-lo à vontade do semeador, acolher a semente, regá-la com a oração e
deixar que Deus aqueça com a Sua presença para que produzamos os frutos que o
semeador deseja colher de nós. Que em nossos corações a semente produza frutos
para vida eterna. Qual a sua resposta?
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