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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A Parábola do Semeador

Eis que o semeador saiu a semear a sua semente e, quando semeava, caiu alguma junto do caminho, e foi pisada, e as aves do céu a comeram; E outra caiu sobre pedra e, nascida, secou-se, pois que não tinha umidade; E outra caiu entre espinhos e crescendo com ela os espinhos, a sufocaram; E outra caiu em boa terra, e, nascida, produziu fruto, a cento por um. Dizendo ele estas coisas, clamava: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Lc. 8:5-8).
Introdução
Eis que o semeador saiu a semear...” (Mt. 13:3). Era um  modo incomum do Senhor abrir um discurso sobre as  maravilhas do reino do céu.
Jesus contou frequentemente, por parábolas, histórias sobre os acontecimentos do dia-a-dia que ele usava para ilustrar verdades espirituais. Uma das mais importantes destas parábolas é aquela registada em Mateus 13:1-23, Marcos 4:1-20 e Lucas 8:4-15. Esta história fala de um fazendeiro que lançou sementes em vários lugares com diferentes resultados, dependendo do tipo do solo. A importância desta parábola é salientada por Jesus em Marcos 4:13: “Não entendeis esta parábola e como compreendereis todas as parábolas?” Jesus está dizendo que esta parábola é fundamental para o entendimento das outras. Esta é uma das três únicas parábolas registadas em mais do que dois evangelhos, e também é uma das únicas que Jesus explicou especificamente. Precisamos de meditar cuidadosamente nesta história.
Depois de o Senhor haver feito de Cafarnaum o Seu centro de operações começou uma viagem sem pressa através da província da Galileia, visitando as cidades e aldeias de maneira sistemática. Isso deve ter-se constituído numa excelente oportunidade para a instrução, para encorajar os discípulos acerca de sua doutrina e métodos e encorajar tantos outros quando os discípulos repetissem.
A parábola do semeador foi sugerida pelo cenário que surgia diante d’Ele. Há um progresso nos estágios de assimilação e crescimento, identificando as várias fases da experiência humana. Os resultados variados da pregação do evangelho não se devem, em primeiro lugar, nem ao semeador nem à semente, mas à qualidade do solo. Em todo o grupo há os endurecidos, como o caminho pisado; os impulsivos, como o terreno que tinha uma fina camada de terra sobre a pedra; os que têm o coração dividido por riquezas e interesses, como o solo coberto de espinhos; e os que recebem com alegria e frutificam com paciência. O Senhor por meio das parábolas velou Seu pensamento. Se desse maiores esclarecimentos apenas aumentaria a condenação dos ouvintes desobedientes.
É bem possível que fosse no início da primavera quando Jesus tomou assento na proa de um barco de pesca na praia ocidental do Mar da Galileia, e ensinou a Sua notável parábola. Quando Jesus contou a parábola, tomou um exemplo tirado da agricultura para dar uma lição de confiança a seus discípulos. Ele logo estaria na praia oriental, alimentando uma multidão de pessoas com uns poucos pães e peixes (Mt. 14:13-21), e a festa da Páscoa ”estava próxima” (Jo. 6:4). Os campos que rodeavam Genesaré teriam sido semeados apenas uns poucos meses antes (janeiro, fevereiro). O cheiro deles deveria estar no ar e não haveria um homem nas multidões de ouvintes que não soubesse o peso de um saco de semente e a sensação do solo recém-arado. Era uma terra para plantadores e proprietários, um lugar para cultivar coisas, e a parábola da semente e dos solos não poderia ter encontrado uma audiência mais entendida.
A luz do início da primavera teria refletido como era jovem o mestre, e talvez como era comum a sua aparência. Nos seus olhos, a despeito das entusiásticas multidões que se comprimiam sobre ele para o ouvir, pode bem ter havido uma ponta de tristeza. Alguns estavam, sem dúvida, escutando embevecidos, esforçando-se sinceramente para tomar cada palavra. Outros teriam sido vistos cabeceando em entusiasmo distraído, envolvidos pelo momento e a multidão. Ainda outros teriam estado ouvindo distraidamente, escutando e concordando, mas não dando atenção total à mensagem. E os escribas e fariseus — eles também estariam ouvindo — não para escutar, naturalmente, mas para achar os defeitos e salientá-los. Eles entendiam tão pouco agora, e a maioria jamais entenderia o evangelho do seu reino.
Conheceria Jesus os pensamentos que estavam por detrás dessas faces? Conheceria Ele os preconceitos, as escusas justificativas, as ideias que estavam forçando e infiltrando em cada palavra que Ele falava? Veria Ele as grades de proteção com que defendemos os nossos corações de Sua verdade? Certamente que sim. E nos adverte como os advertia, “Quem tem ouvidos, ouça” (Mt. 13:9).
Há dois recados para nós, hoje, nesta parábola. O primeiro é o mesmo de Jesus aos discípulos. Não sejam pessimistas, não desesperem. Deus pode parecer tardar, mas não falha. A Sua promessa é certa e a Sua palavra vai se realizar. Tenham fé! Vocês vivem semeando porque têm sonhos e ideais a realizar. Cuidem das sementes para que elas germinem, cresçam e deem frutos. O segundo recado é o seguinte. Nós, em geral, acreditamos pouco na força da Palavra e só nos preocupamos com o terreno, isto é, connosco. Mas a semente brota pela sua força interior. O terreno é necessário, mas não seria fecundo sem a semente. Acredite mais na Palavra de Deus! Ela é a semente que contém vida. Medite-a. Faça com que ela inspire a sua vida, as suas opções e a sua conduta. Deixe que ela o transforme e o guie. Deixe que a presença e a palavra de Deus reinem em seu coração e você viverá no Reino de Deus.
Conta-se que Deus tem uma loja onde se encontram todos os presentes que alguém gostaria de ganhar: beleza, felicidade, inteligência, gentileza, solidariedade, riqueza, alegria, paz... Mas tudo está em forma de sementes. Deus não entrega tudo pronto. Só confia sementes a serem plantadas e cultivadas.
Jesus certamente viveu mais cônscio do mundo no qual ele andava do que qualquer outro homem antes dele. E de tudo que o rodeava ele tirou ricas metáforas, que fizeram dele um tão irresistível ilustrador e mestre.
O Senhor começou cedo, nos seus discursos públicos, a falar com conhecimento de pescadores, agricultores, pastores e comerciantes. Ele tirou expressivas comparações do mundo dos reis e dos príncipes, dos servos e dos pobres, dos sacerdotes e dos publicanos, dos juízes e dos ladrões. Ele encontrou lições na relva e nas flores, no vento e na rocha. Ele falou muito de vinhas e trigais, de joio, de espinhos e de cardos. Ele conhecia bem o lugar da raposa e o caminho dos lobos e das ovelhas. Ele falou especialmente do lar, de sal e de lâmpadas, de cozinha e de limpeza, de festas e de casamentos, de pais e de filhos. E as Suas palavras eram maravilhosas, pelo modo como tornavam a vontade do céu tão real e clara.
Quando o agricultor semeia, é claro que muitas das sementes vão se perder. Mas o semeador não é tolo. Sabe que a maior parte da semente vai encontrar terra boa e dar fruto, 30, 50 e 100 vezes mais. Faça, então, como o semeador: olhe para a frente, olhe para o futuro. Anteveja o campo de trigo como um mar de ouro, ondulando sob o sopro do vento. Este sonho é que leva o semeador a semear, não obstante as dificuldades.
Observe os perigos que o ouvinte corre, para não desperdiçar a preciosa semente. Jesus diz que o semeador começou a semear, mas com pouca frutificação. Vejamos:
Uma parte caiu no caminho, e pisaram-na os homens e comeram-no as aves”. Houve tempo em que a terra fofa e rica, igual à do resto do campo, que com o passar dos anos, foi sendo pisada pelos passantes e pelo tráfego. A semente cai na superfície mas não consegue penetrar. Quando o nosso coração chega a essa condição, precisamos de pedir a Deus para retalhar a terra dura com o arado da convicção de pecado - pensamentos levianos, fantasiosos e dispersivos - ou da tristeza.
Outra parte caiu sobre as pedras, e secou-se nas pedras por falta de humidade”. Existe o solo superficial, uma camada de pequena espessura, sob a qual se encontra a rocha. Quantos têm, facilmente, uma reação apenas emocional – aquela que “logo nasceu”, que não tinha raiz porque o coração era duro mas se recusam que a verdade de Deus ganhe raízes; por isso são rapidamente dissuadidos por um outro qualquer.
Outra parte do trigo caiu entre espinhos, e afogaram-no os espinhos”. Há ricaços com os seus luxos e pobres com as suas carências, cujo coração, um solo espinhoso, não dá a oportunidade de crescimento à semente da graça. É preciso cuidar para que as carências do pobre, as riquezas dos opulentos e a ansiosa busca de coisas deste mundo pelas classes intermediárias não dissipem a força da alma de tal maneira que a Palavra de Deus venha a ser apenas uma haste delgada sem espiga ou fruto. Não basta ouvir a Palavra; devemos aceitá-la e produzir frutos.
Esta parábola dá-nos, sem dúvida, um retrato de como todas as criaturas do Mundo se armaram contra esta sementeira. Todas essas criaturas, que perseguiram o semeador, se reduzem a quatro géneros: criaturas racionais, como os homens; criaturas sensitivas, como os animais; criaturas vegetativas, como as plantas; criaturas insensíveis, como as pedras. A natureza insensível o perseguiu nas pedras, a vegetativa nos espinhos, a sensitiva nas aves, a racional nos homens. E repare a desgraça do trigo, que onde só podia esperar que tudo desse certo, ali achou maior afronta. As pedras secaram-no, os espinhos afogaram-no, as aves comeram-no; e os homens? Pisaram-no.
Mas há uma sementeira que nos dá grandes esperanças, porque, ainda que se tenham perdido os primeiros trabalhos, lograr-se os últimos. O semeador, depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do trigo, aproveitou a quarta e última, e colheu dela muito fruto. Provavelmente você já perdeu três partes da sua vida: uma parte da idade foi levada pelos espinhos, outra parte foi levada pelas pedras, outra parte foi levada pelos caminhos, mas nesta quarta e última parte, neste último quartel da vida, que são os ouvintes que recebem a Palavra implantada no coração fiel, a sua frutificação centuplicada recompensará amplamente as suas lides e lágrimas. De outro modo, a aradura, a semeadura e toda a ação da natureza serão em vão. Viva de acordo com o que você sabe. Obediência é a chave do entendimento.
1.     “A semente é a Palavra de Deus” (Lc. 8:11).
A multidão curiosa que tinha ouvido a parábola do semeador não a  entendeu. Mas, então, o que esperávamos? Nem os discípulos do Senhor entenderam. “Então, lhes perguntou: Não entendeis esta parábola e como compreendereis todas as parábolas?” (Mc. 4:13).
O significado da semente é claramente demarcado para nós. Jesus diz que o trigo que o semeador semeou é a Palavra de Deus. Ainda que não seja a mensagem primária desta parábola, a verdade é que a palavra de Deus é o poder que constrói o reino de Deus e precisa de ênfase. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu, são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias, e nestes afoga-se a palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados, e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam, e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente, a terra boa são os corações bons ou os homens de bom coração, e nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um.
Acho que se pode dizer, confidencialmente que em toda a natureza não há outra ilustração da Palavra de Deus tão verdadeira e tão significativa como a da semente. É realmente uma dádiva divina maravilhosa poder discernir seu profundo significado espiritual.
Não há a menor possibilidade de apreciar carência no atributo da semente que representa a Palavra de Deus. Paulo se refere à Palavra como viva e eficaz: “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb. 4:12). Pedro ressalta a incorruptibilidade da Palavra: “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre” (I Pe. 1:23).
A semente não poderia ser outra a não ser a Palavra de Deus, que tem vida em si mesma! Numa símile bendita e dispensacional da Palavra: a erva foi o Pentateuco; a espiga o Antigo Testamento; e o grão, o Novo Testamento! Oh, bendita semente, a Palavra de Deus! O solo, o coração do homem, dilacerado pelo pecado e pelas forças das hostes infernais, na sua proporção original, contendo ainda os sais minerais e os ingredientes hidro-carbonatados que farão a semente morrer e frutificar, foi criação do Altíssimo - “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” (Gn 1:26)!
A Palavra de Deus é o poder do próprio Deus em ação. O mundo foi criado e é mantido pela palavra de Deus (Hb. 11:3; 1:3), e o sopro divino que está em Suas palavras (Sl. 33:6) é o sopro que nos deu a vida (Gn. 2:7). A palavra do Todo-poderoso responde aos nossos espíritos como a luz responde aos nossos olhos. Sua poderosa verdade viva penetra em nossos corações e põe a nu os nossos mais íntimos pensamentos (Hb. 4:12).
Em linguagem simples, o que esta parábola nos diz é que a própria palavra de Deus é a semente germinante da vida (Fp. 2:16). Ela é a palavra do evangelho que nos salva (Rm. 1:18; 1 Co. 1:21), gera (Tg. 1:18), regenera (1 Pe. 1:23), liberta (Jo. 8:32), produz fé (Rm. 10:17), santifica (Jo. 17:17) e nos atrai a Deus (Jo. 6:44-45). É a “palavra da sua graça” que nos edifica e garante a nossa herança entre o povo de Deus (At. 20:23). É por esta própria palavra viva, que transmite energia, que o Espírito Santo não somente nos leva ao renascimento espiritual (Ef. 1:13), como também nos transforma na imagem do Filho de Deus. E tudo isto é possível porque em suas palavras Deus nos abriu Seu coração e derramou as profundezas de Sua verdade e graça (1 Co. 2:10-13). No evangelho, ele nos fez olhar na face de nosso crucificado Salvador (2 Co. 3:18). E isso tem poder!
É, portanto, sacrilégio homens e mulheres falarem do evangelho como “mera palavra” e rirem da ideia que o evangelho por si só é capaz de produzir uma nova e inconquistável vida espiritual. Não é prudente falar tão levianamente de palavras que saem da boca de Deus ou insultar o céu tentando fortificar esta palavra “inadequada” com nossas vãs filosofias (Cl. 2:8-10; Pv. 30:5-6). Até Satanás sabe onde está o poder. “A que caiu à beira do caminho são os que a ouviram; vem, a seguir, o diabo e arrebata-lhes do coração a palavra, para não suceder que, crendo sejam salvos” (Lc. 8:12).
A Palavra de Deus pode ser falada para vários tipos de pessoas. No entanto, os resultados serão diferentes como diferente é a qualidade dos corações que ouvem a Palavra. Assim, alguns vão rejeitá-la, outros irão aceitá-la até a aflição chegar, e os outros vão recebê-la, mas eventualmente irão colocá-la em última posição colocando outras coisas (cuidados, riquezas, outros desejos) acima dela, e, finalmente, outros vão mantê-la em um coração bom e honesto onde darão frutos. É por isso que Jesus, terminando a interpretação da parábola, disse: “Acautelai-vos, vede como ouvis” (Lc. 8:18).
Aqui há uma lição para o ouvinte. O fruto produzido depende da resposta dada à Palavra. É decisivamente importante ler, estudar e meditar sobre as Escrituras. A palavra tem que vir habitar em nós (Cl. 3:16), para ser implantada em nosso coração (Tg. 1:21) e, assim, sempre que falarmos aquilo que a Bíblia diz sobre um dado assunto estaremos semeando o amor do Pai no coração das pessoas e, certamente, ela brotará em suas vidas. Temos que permitir que as nossas ações, as nossas palavras e as nossas próprias vidas sejam formadas e moldadas pela palavra de Deus. O importante não está só no ouvir a Palavra, mas sim  como se ouve, pois muitos podem ouvir a Palavra, mas apenas aqueles que a ouvem e a mantém em um coração bom e honesto serão frutíferos.
Uma safra sempre depende da natureza da semente, não do tipo da pessoa que a plantou. Um pássaro pode plantar uma castanha: a árvore que nascer será um castanheiro, e não um pássaro. Isto significa que não é necessário tentar traçar uma linhagem ininterrupta de fiéis cristãos, recuando até o primeiro século. Há força e autoridade próprias da palavra para produzir cristãos como aqueles do tempo dos apóstolos. A palavra de Deus contém força vivificante. O que é necessário é homens e mulheres que permitam que a palavra cresça e produza frutos em suas vidas; pessoas com coragem para quebrar as tradições e os padrões religiosos em volta deles, para simplesmente seguir o ensinamento da Palavra de Deus. Hoje em dia, a palavra de Deus tem sido frequentemente misturada com tanta tradição, doutrina e opinião que é quase irreconhecível. Mas se pusermos de lado todas as inovações dos homens e permitirmos que a palavra trabalhe, podemos tornar-nos fiéis discípulos de Cristo justamente como aqueles que seguiram Jesus há mais de 2000 anos atrás. A continuidade depende da semente.
A semente é aparentemente insignificante, uma coisa pequenina comparada com a árvore que irá produzir. A vida está encerrada nela e incubada. Necessita de solo adequado, sem o qual o seu desenvolvimento é impossível. O desenvolvimento é lento e põe à prova a paciência daquele que dela cuida. Através do fruto, a semente se reproduz e se multiplica. Em todos esses aspetos, ela ensina-nos lições muito preciosas quanto ao uso da Palavra de Deus.
Em primeiro lugar, ensina-nos a lição da fé. A fé não olha para as circunstâncias. Pelas aparências não seria provável que a Palavra de Deus desse vida à alma, operasse em nós a sua maravilhosa graça, transformasse por completo o nosso caráter, ou nos enchesse com a sua força. No entanto, isso acontece! Quando aprendemos a acreditar que a Palavra pode realizar aquilo que diz, estamos de posse de um dos mais importantes segredos do estudo bíblico. Receberemos, então, cada palavra como a garantia e o poder de uma operação divina.
Em segundo lugar, ensina-nos a lição do trabalho. A semente precisa de ser colhida, guardada e plantada em solo devidamente preparado. Do mesmo modo, a mente precisa de recolher das Escrituras e discernir as palavras que vão ao encontro das nossas necessidades, e então transferi-las para o coração, como o único solo em que essa divina semente pode desenvolver-se. Não somos nós que lhe propiciamos vida ou desenvolvimento. Nem precisamos de fazer tal coisa; já ali está. Tudo o que podemos fazer é abrigar a Palavra em nosso coração, ali a conservar, esperando pelo sol que vem do alto.
Em terceiro lugar, ensina-nos a lição da paciência. Em muitos casos, o efeito da Palavra no coração não é imediato. Leva tempo para arraigar-se e depois se desenvolver. As palavras de Cristo precisam de habitar em nós. Precisamos de, dia após dia, não somente aumentar o nosso stock de conhecimento bíblico – o que se assemelha ao stock de grãos no celeiro –, mas também zelar pelas ordenanças e promessas recolhidas com tanto cuidado, e permitir que elas encontrem lugar em nosso coração, a fim de desenvolver raízes e galhos. Precisamos de saber que tipo de semente vamos colocar em nosso coração e cultivar uma espera vigilante e paciente. No devido tempo ceifaremos, se não desanimarmos.
Finalmente, em quarto lugar, vem a lição da produtividade. Não importa quão insignificante possa parecer a pequena semente da Palavra de Deus, quão frágil ela possa afigurar-se, quão profundamente escondida ela possa estar ou quão exasperante possa ser a morosidade com que se desenvolve; pode-se ficar confiante que o fruto virá. A verdade, a vida e o poder de Deus, contidos na Palavra, vão se desenvolver dentro do indivíduo. Do mesmo modo que a semente produz fruto com a mesma semente para nova reprodução, a Palavra lhe dará fruto, que será levada a outras pessoas, a fim de lhes dar vida e bênção.
Cada conversão é o resultado do assentamento do evangelho dentro de um coração puro. Como o evangelho se espalhava no primeiro século, foi-nos dito muito pouco sobre os homens que o divulgaram, porém muito nos foi dito sobre a mensagem que eles disseminaram (estude o livro de Atos e note que em cada cidade para onde os apóstolos viajaram, os homens eram convertidos como resultado da palavra que era ensinada). A importância das Escrituras deve ser ressaltada ao máximo.
Isto significa que temos que ensinar a palavra. Não há substitutos permitidos. Frequentemente, as pessoas raciocinam que haveria uma colheita maior se alguma outra coisa fosse plantada. Então, as igrejas começam a experimentar outros meios, de modo a conseguir mais adeptos. Elas recorrem a divertimentos, festas, desportos, aulas de Inglês, bandas, eventos sociais e muitas outras coisas para tentar atrair as pessoas que não estariam interessadas, se pregassem somente o evangelho. Nosso Pai celestial nos disse qual semente plantar: a palavra de Deus. Não é nosso trabalho analisar o solo e decidir plantar alguma outra coisa, esperando receber melhores resultados. A colheita do evangelho pode ser pequena (se o solo for pobre), mas Deus só nos deu permissão para plantar a palavra. Somente plantando a Palavra de Deus nos corações dos homens o Senhor receberá o fruto que espera. Ou, usando uma figura diferente: as Escrituras são a isca de Deus para atrair o peixe que Ele quer salvar. Precisamos de aprender a ficar satisfeitos com o Seu plano.
É belo este modo de proceder! É exemplar esta pedagogia! É apelativa esta proximidade para todos os que são chamados a lançar a semente da Palavra no coração humano, tendo em conta o pulsar do seu ritmo, das suas alegrias e dores.
A parábola que Jesus conta para nós, hoje, é uma das palavras do Senhor que nos dá uma compreensão maravilhosa da presença do Reino de Deus no nosso meio: “A Parábola do semeador”. O Reino de Deus é como um homem que sai a semear e a Palavra de Deus é a semente.
Quem já viveu no campo sabe como é a semente: ela é lançada na terra, vai cair, vingar, crescer e se tornar uma árvore esplendorosa e vai produzir muitos frutos. No entanto, muitas sementes não chegam nem a entrar na terra, elas se perdem pelo caminho, os pássaros vêm e as comem. Outras sementes até começam a crescer, a vingar, mas o terreno é rochoso é pedregoso, então elas não entram no solo com profundidade, ou vêm a chuva, o temporal ou qualquer coisa que levam aquelas sementes embora.
A Palavra de Deus que é semeada em nosso coração tem a mesma sintonia: nós a escutamos e a achamos bonita, mas nós somos tão distraídos que a primeira distração que vem à nossa frente rouba a Palavra de Deus que está em nós. Quando estamos no culto na igreja, quanta distração vem à nossa cabeça, o quanto nós estamos, muitas vezes, avoados, preocupados com as coisas, e esta Palavra não cresce em nós. Outras vezes, até permitimos que esta Palavra cresça, a achamos bonita, guardamos aquela Palavra, mas nos faltam constância e perseverança.
Nós nos animamos com qualquer outra coisa, deixamo-nos levar por qualquer outra realidade e a Palavra que foi lançada em nosso coração é roubada e não cresce nem produz frutos. Mas, o pior ainda é quando deixamos nos levar pelas preocupações do mundo, pela ilusão das riquezas, dos bens materiais e de tudo aquilo que a vida nos oferece. Isso contagia tanto os nossos olhos, que acabamos por perder a direção do Reino de Deus e nos deslumbramos com aquilo que o mundo nos apresenta.
E tantas vezes, perguntamos: ”Meu Deus, por que eu não vivo a Tua Palavra? Por que eu não coloco a Tua Palavra em prática?” Porque o nosso coração se deixa iludir, o nosso coração se deixa enganar por outras tentações, por outras coisas que, aparentemente, parecem melhores e mais agradáveis do que a Palavra de Deus.
Por isso, permita-me que hoje lhe diga: Deixe essa Palavra cair no seu coração, medite-a, guarde essa Palavra, guarde-a como um tesouro para a sua vida, para o seu coração, para a sua família e não deixe que nenhum vento, nenhum pássaro, nenhuma tentação e nenhuma tribulação roubem essa semente maravilhosa, que é a Palavra de Deus semeada no seu coração!
Que essa Palavra produza frutos na sua vida: ou trinta, ou sessenta ou cem por um. Que essa Palavra multiplique os frutos do Reino de Deus no seu coração! Que no seu coração a Palavra de Deus seja fecunda e produza muitos frutos!
2.     O Crescimento no Reino de Deus.
Com que presteza o Mestre observava o significado dos símbolos naturais! Para Ele todas as coisas eram desdobramentos do ministério eterno, e os caminhos dos homens, inconscientemente. Espelhavam o invisível. Há “alqueires” em sua vida? Use-os como suportes onde colocar as lâmpadas, e não como cobertura para ocultá-las. Todos os segredos serão revelados; cuidado com o que você diz. O que medimos retorna a nós; tenhamos cuidado com a maneira como medimos. A misteriosa cooperação de Deus na obra da Natureza e o processo gradual de crescimento se assemelham à colaboração do Espirito Santo com todos os fiéis semeadores da Palavra, e aos estágios imperceptiveis através dos quais a alma alcança a maturidade.
O crescimento de um Reino de amor e de justiça, tão sonhado por Deus, depende da disposição dos semeadores, por isto, um semeador nunca deve se deixar levar pelo pessimismo, pelo desânimo, pois o seu trabalho nunca será em vão, já que muitas sementes cairão em terra boa e certamente produzirão muitos frutos!
O reino de Deus é a expressão bíblica que melhor designa a realidade nova anunciada por Jesus: Deus é Pai, nós somos os filhos deste Pai comum e, por isso, irmãos por natureza e por graça. Os bens pertencem a todos por mandato divino, a biodiversidade faz parte da harmonia e do equilíbrio dos seres criados e dos sistemas em que se desenvolvem, a vida é “sagrada” e, enquanto peregrina na terra a caminho da situação definitiva, está marcada pelas regras do tempo e da cultura. A convivência social alicerçada no amor e na justiça constitui uma das manifestações humanas mais qualificadas do “rosto” público deste reino em germinação na história.
Jesus disse “O reino de Deus é assim como se um homem lançasse a semente à terra; depois, dormisse e se levantasse, de noite e de dia, e a semente germinasse e crescesse, não sabendo ele como. A terra por si mesma frutifica: primeiro a erva, depois, a espiga, e, por fim, o grão cheio na espiga. E, quando o fruto já está maduro, logo se lhe mete a foice, porque é chegada a ceifa” (Mc. 4:26-29)
Nesta, que é uma parábola alegórica do Reino, que abre a porta das coisas celestiais para a nossa instrução, nos ensina exatamente isto. A aplicação dela para nós é mostrar como a resposta que damos a Deus pode determinar um futuro abençoado ou desastroso.
Deus é soberano em tudo. Ele faz tudo como lhe agrada, no entanto a Bíblia está permeada da ação de Deus como uma resposta humana ao seu comando, de tal forma que a nossa resposta a uma ação de Deus pode apontar para o resultado.
De maneira parcial o Reino de Deus está dentro de cada uma de nós. Não estamos completos, não somos perfeitos, não entendemos a vontade de Deus completamente, não reagimos à altura da santidade de Deus, no entanto o processo já começou. Já somos novas criaturas (2 Co. 5:17), já temos o Espírito Santo em nós (1 Co. 3:16), já temos o nosso nome escrito no livro da vida (Ap. 3:5), já estamos em processo de santificação (Hb. 12:114). Já temos os recursos espirituais para responder positivamente à orientação de Deus.
Tudo aqui começa com a semente que é a Palavra de Deus (v. 19), como no início do mundo que começa com a expressão: Disse Deus. A semente representa a Palavra do Reino ou a sua mensagem, a mensagem de Cristo, que transforma o coração, mas que exige resposta positiva do ouvinte.
Os judeus pensaram que a vinda do Reino significava a instalação extraordinária de um novo sistema perante o qual ninguém poderia se opor. O Reino de Deus iria abalar as nações (Dn. 2:44), o domínio dos governantes seria destruído e todas as nações serviriam ao Senhor. Numa aparente discordância, Jesus declarou que o Reino de Deus pode ser iniciado com uma sementezinha plantada no coração do homem. O Reino está operando secretamente entre os homens e não se impõe pela força. Quando uma pessoa é exposta à Palavra de Deus, a fé nasce, pois a fé vem pela pregação (Rm. 9:17).
Sendo assim não podemos abrir mão da pregação da Palavra do Senhor. Precisamos tanto de ouvi-la quanto pregá-la, pois só assim, a semente plantada, germinará a seu tempo.
Jesus ao ver um camponês fazer a semeadura percebeu que ali estava a oportunidade de dar uma grande lição sobre os ministérios do Reino de Deus que dão a entender a intenção e a vontade de Deus em relação à vida humana.
E esta parábola que Jesus contou narra o trajeto de um certo trabalhador que lançando mão de sementes saiu para semear em quatro tipos de solo (coração), que têm características diferentes, assim sendo, interferem no resultado final do investimento. Narra histórias sobre os acontecimentos do dia-a-dia que Ele usava para ilustrar verdades espirituais. Esta história fala de um fazendeiro que lançou sementes em vários lugares com diferentes resultados, dependendo do tipo do solo.
A história em si é simples: “Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e, tendo crescido, secou por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e, estes, ao crescerem com ela, a sufocaram. Outra, afinal, caiu em boa terra; cresceu e produziu a cento por um” (Lc. 8:5-8). Estes vários tipos de terrenos exemplificam bem as várias reações dos homens diante da Palavra de Deus. A resposta ali é a resposta que damos ainda hoje. Que resposta dará hoje a Deus? Como cada um de nós reagirá diante da semente lançada em nosso coração?
“Este grande frutificar da palavra de Deus é o em que reparo hoje; e é uma dúvida ou admiração que me traz suspenso e confuso. Se a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus? Diz o Senhor que a palavra de Deus frutifica cento por um, e já eu me contentaria se frutificasse um por cento. Se com cada cem pregações se convertesse e emendasse um homem, já o Mundo era salvo e santo. Este argumento de fé, fundado na autoridade de Cristo, se aperta ainda mais na experiência, comparando os tempos passados com os presentes. Leiamos as histórias de tantos servos do Senhor, e achá-las-emos todas cheias de admiráveis efeitos da pregação da palavra de Deus. Tantos pecadores convertidos, tanta mudança de vida, tanta reformação de costumes; os grandes desprezando as riquezas e vaidades do Mundo; os reis renunciando os ceptros e as coroas; as mocidades e as gentilezas metendo-se pelos desertos e pelas covas; e hoje? – Nada disto. Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva, não há um jovem que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos omnipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que era dantes. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque vemos hoje tão pouco fruto da palavra de Deus?
Se a palavra de Deus no Mundo faz pouco fruto, só pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de uma pregação, tem que haver três elementos: o pregador pregando a Palavra de Deus, persuadindo; o ouvinte com o entendimento, percebendo; e Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem o espelho e é cego, não se pode ver por falta de vista; se tem espelho e vista, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, é preciso haver luz, espelho e vista. Para esta vista são necessários os olhos, é necessária a luz e é necessário o espelho. O pregador contribui com o espelho, que é a doutrina; Deus contribui com a luz, que é a graça; e o homem contribui com os olhos, que é o conhecimento. Ora, supondo que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três elementos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?
Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé, conforme a temos definida no Evangelho. Do trigo que deitou à terra o semeador, uma parte se logrou e três se perderam. E porque se perderam estas três? – A primeira perdeu-se, porque os espinhos a afogaram; a segunda, perdeu-se, porque as pedras a secaram; a terceira perdeu-se, porque os homens a pisaram e as aves a comeram. Isto é o que diz Cristo; mas notai o que não diz. Não diz que parte alguma daquele trigo se perdeu por causa do sol ou da chuva. A causa por que ordinariamente se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança dos tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja o sol. Pois porque não introduz Cristo na parábola do Evangelho algum trigo que se perdesse por causa do sol ou da chuva? – Porque o sol e a chuva são as influências da parte do Céu, e deixar de frutificar a semente da palavra de Deus, nunca é por falta do Céu, sempre é por culpa nossa. Deixará de frutificar a sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do Céu, isso nunca é nem pode ser. Deus sempre está pronto da sua parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva para amolecer, se os nossos corações quiserem: “Deus faz nascer o sol sobre os bons e os maus e chover sobre os justos e os injustos” (Mt. 13:45). Se Deus dá o seu sol e a sua chuva aos bons e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons, como a negará? Este ponto é tão claro que não há mais nada para que nos detenhamos em mais prova. “Que tive eu de fazer à minha vinha e não fiz?” (Is. 5: 4).
Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fosse por parte dos ouvintes, não fazia a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes.
Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, a palavra de Deus faz fruto neles; se são maus, ainda que não faça fruto neles, faz efeito. No Evangelho o temos. O trigo que caiu nos espinhos nasceu, mas foi afogado poe eles. O trigo que caiu nas pedras nasceu também, mas secou-se. O trigo que caiu na terra boa, nasceu e frutificou com grande multiplicação. De maneira que o trigo que caiu na boa terra nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão fecunda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus, ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus são as pedras e os espinhos. E porquê? – Os espinhos por que são agudos, as pedras por que são duras. Os piores ouvintes que há são os de entendimentos agudos e os de vontades endurecidas. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só para ouvir subtilezas, para esperar galantarias, para avaliar pensamentos, e às vezes também para picar a quem os não pica. O trigo não picou os espinhos, antes os espinhos o picaram a ele. Muitos pensam que a pregação os picou a eles, mas não é assim; eles são os que picam a pregação. Por isto, os de entendimentos agudos, são maus ouvintes. Mas os de vontades endurecidas ainda são piores, porque um entendimento agudo pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra. Oh! Deus livra-nos de vontades endurecidas, que ainda são piores que as pedras! A vara de Moisés abrandou as pedras, e não pôde abrandar uma vontade endurecida: Batendo a vara duas vezes na pedra, rebentaram abundantes águas” (Nm. 20:11). “Endureceu o coração de Faraó” (Êx. 7:13). E mesmo sendo os ouvintes de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas os mais rebeldes, a força da divina palavra é tanta, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza nasce nas pedras.
Poderíamos argumentar com lavrador do Evangelho o porquê de não cortar os espinhos e de não arrancar as pedras antes de semear. Mas, as pedras e os espinhos, foram deixados no campo para que se visse a força do que semeava. É tanta a força da divina palavra, que, sem cortar nem despontar os espinhos, nasce entre os espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar as pedras, nasce nas pedras. Corações embaraçados como espinhos, corações secos e duros como pedras, ouvi a palavra de Deus e tende confiança! Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem.
Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa. E se a palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de Deus até nas pedras e nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa de Deus, nem por indisposição dos ouvintes, mas por consequência clara, por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa nossa.
Antigamente convertia-se o Mundo, hoje porque se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra: “Uma pedra lhe acertou na cabeça” (1 Rs. 17:49). As vozes da harpa de David lançavam fora os demónios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram vozes formadas com a mão: “David levava a harpa e tocava-a com a sua mão” (1 Rs 16:23). Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador. O pregar que é falar, faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou cento por um. Que quer isto dizer? Quer dizer que de uma palavra nasceram cem palavras? – Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas obras. Pois palavras que frutificam obras, vede se podem ser só palavras! Quis Deus converter o Mundo, e que fez? – Mandou ao Mundo seu Filho feito homem. Notai. O Filho de Deus, enquanto Deus, é a palavra de Deus, não é obra de Deus. O Filho de Deus, enquanto Deus e Homem, é a palavra de Deus e obra de Deus juntamente. Na união da palavra de Deus com a maior obra de Deus consistiu a eficácia da salvação do Mundo. O Verbo Divino é a palavra divina; mas importa pouco que as nossas palavras sejam divinas, se forem desacompanhadas de obras. A razão disto é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos. No Céu ninguém há que não ame a Deus, nem possa deixar de o amar. Na terra há tão poucos que o amem, todos o ofendem. Deus não é o mesmo, e tão digno de ser amado no Céu e na Terra? Pois como no Céu obriga e necessita a todos a o amarem, e na terra não? A razão é porque Deus no Céu é Deus visto; Deus na terra é Deus ouvido. No Céu entra o conhecimento de Deus à alma pelos olhos; na terra entra-lhe o conhecimento de Deus pelos ouvidos; e o que entra pelos ouvidos crê-se, o que entra pelos olhos necessita. Se os ouvintes vissem em nós o que nos ouvem a nós, o abalo e os efeitos do sermão seriam muito outros.
Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Cristo comparou o pregar ao semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza do que de arte. Nas outras artes tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na arquitectura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por conta, na geometria tudo se faz por medida. O semear não é assim. É uma arte sem arte, caia onde cair. Vede como semeava o nosso lavrador do Evangelho. “Caía o trigo nos espinhos e nascia”. “Caía o trigo nas pedras e nascia”. “Caía o trigo na terra boa e nascia”. Ia o trigo caindo e ia nascendo.
O pregar tem de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja. O pregar não é recitar. O que sai só da boca pára nos ouvidos; o que nasce do juízo penetra e convence o entendimento. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento.
Em conclusão, a causa de os pregadores não fazerem hoje fruto com a palavra de Deus, nem é a circunstância da pessoa; nem a da matéria; nem a da voz. Moisés tinha fraca voz; Amós tinha grosseiro estilo; Salomão multiplicava e variava os assuntos; Balaão não tinha exemplo de vida; o seu animal não tinha ciência; e contudo todos estes, falando, persuadiam e convenciam. Pois se nenhuma destas razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem o bastante do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente que é a verdadeira causa?
A causa por que se faz hoje tão pouco fruto com tantas pregações é porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como dizia) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e nos espinhos nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, então a esses o Espírito Santo diz: “Quem semeia ventos, colhe tempestades”. Se os pregadores semeiam vento, se o que se prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não há-de a Igreja de Deus passar por tormenta, em vez de colher fruto?
Mas, será que muitos os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus. As palavras de Deus, pregadas no sentido em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido em que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem ser palavras do Demónio. O Demónio tentou a Cristo dizendo-lhe que fizesse das pedras pão. Ao que o Senhor lhe Respondeu: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra, que procede de Deus. Vendo o Demónio que o Senhor se defendia da tentação com a Escritura, leva-o ao Templo, e alegando o lugar do salmo 40, diz-lhe desta maneira: “Deita-te daí abaixo, porque prometido está nas Sagradas Escrituras que os anjos te tomarão nos braços, para que te não faças mal”. De sorte que Cristo defendeu-se do Diabo com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura. Todas as Escrituras são palavra de Deus; pois se Cristo toma a Escritura para se defender do Diabo, como toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? – A razão é porque Cristo tomava as palavras da Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em sentido alheio, são armas do Diabo. As mesmas palavras que, tomadas no sentido em que Deus as disse, são defesa, tomadas no sentido em que Deus as não disse, são tentação. Eis aqui a tentação com que então quis o Diabo derribar a Cristo, e com que hoje lhe faz a mesma guerra do pináculo do templo. O pináculo do templo é o púlpito, porque é o lugar mais alto dele. O Diabo tentou a Cristo no deserto, tentou-o no monte, tentou-o no templo: no deserto, tentou-o com a gula; no monte, tentou-o com a ambição; no templo, tentou-o com as Escrituras mal interpretadas, e essa é a tentação de que mais padece hoje a Igreja, e que em muitas partes tem derribado dela, senão a Cristo, a sua fé.
Miseráveis de nós, e miseráveis dos nossos tempos! Pois neles se veio a cumprir a profecia de Paulo: “Virá tempo, diz Paulo, em que os homens não sofrerão a doutrina sã”. “Mas para seu apetite terão grande número de pregadores feitos a montão e sem escolha, os quais não façam mais que adular-lhes as orelhas”. “Fecharão os ouvidos à verdade, e abri-los-ão às fábulas”. Fábula tem duas significações: quer dizer fingimento e quer dizer comédia; e tudo são muitas pregações deste tempo. São fingimento, porque são subtilezas e pensamentos aéreos, sem fundamento de verdade; são comédia, porque os ouvintes vêm à pregação como à comédia; e há pregadores que vêm ao púlpito como comediantes.
Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades. Veja o Céu que ainda tem na terra quem se põe da sua parte. Saiba o Inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a palavra de Deus, e saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto.” (Pe. A. Vieira)
3.     Os Solos
1)   À Beira do Caminho – Coração Endurecido (Mt. 13:4,19; Mc. 4:15 e Lc. 8:12)
“…uma parte caiu à beira do caminho…” (13:4). Quanto à disposição desta semente  que caiu na beira do caminho, Lucas acrescenta, “foi pisada” (Lc. 8:5).
Os campos da Palestina eram pequenos e irregulares, marginados por caminhos estreitos endurecidos pelo perpétuo pisoteio. E frequentemente, quando o plantador espalhava a sua semente sobre o solo recém-arado com largos lances de sua mão, alguma cairia e dançaria sobre a superfície dura, resistente, da “beira do caminho” onde todo o seu rico potencial por fim se tornava alimento para as aves.
O solo impenetrável, na história de Jesus, representa os ouvintes cujos corações estão endurecidos pela obstinação e o orgulho, corações que se tornaram a estrada de mil tempestuosas paixões, corações que em seu consciente compromisso com o mal não podem suportar a dor da honestidade. Simboliza a dificuldade que a pessoa tem de absorver a Palavra, por se deixar influenciar por ensinamentos (heresias), que contrariam os princípios da palavra de Deus, se tornando duro e impenetrável. Jesus já previa isto quando citou o profeta Isaías (Mt. 13:14 e 15). Há pessoas que não têm sensibilidade alguma para as coisas do mundo espiritual, algumas por não terem nascido de novo (1 Co. 2:14), outras por não querer ouvir, fazendo-se de surdos, não querendo ouvir a sã doutrina (2 Tm. 4:3).
Pensamos imediatamente nos fariseus, e eles certamente estavam no quadro. Os seus preconceitos arrogantes e egoístas sobre o reino de Deus, os seus sonhos de esplendor e poder carnal, tornavam impossível para eles ver Jesus como o Messias ou escutar as suas palavras como as de Deus, ou seja por presunçosa satisfação própria, ou por uma orgulhosa necessidade de saber tudo já, ou temor de exposição a alguma desconfortável nova verdade sobre si mesmos, as suas mentes estavam trancadas contra o Senhor e seu evangelho. Hoje em dia, muitos seguem na trilha deles, tão cheios de uma caricatura moderna de Jesus que não podem ver o verdadeiro Cristo nem escutar suas palavras reais.
Quem é superficial não coloca paixão naquilo que faz. Quem não tem profundidade no seu modo de ser ouve a Palavra, mas, diante da perseguição, logo sucumbe. Possivelmente, você conhece pessoas que são ouvintes da Palavra de Deus, do evangelho da graça e não a entendem, são indiferentes quanto à salvação, e outras indiferentes em relação à santificação. A Palavra faz a salvação fluir, mas algumas pessoas endurecem de tal maneira que a semente fica exposta e vulnerável ao pássaro Satanás, (conforme Marcos), o diabo (conforme Lucas), o iníquo (conforme Mateus), que retira com facilidade a semente plantada, para não suceder que, crendo, sejam salvos.
 “E assim como a semente, ao cair em solo duro e seco, não tem produção alguma, assim também as palavras de Jesus cai sobre tal pessoa sem realizar coisa alguma. E o resultado é a perda da semente, porque o maligno não demora a interferir” (Champlin).
 O chamado de Deus para nós é o de não endurecermos o coração, como Israel o fez no deserto e pagou um preço altíssimo (Hb. 3:7-11).
2) Terreno Rochoso – Coração Sem Profundidade (Mt. 13:22; Mc 4:18 e Lc 8:13)
Esta não era a terra misturada com incontáveis pedrinhas, mas um solo com menos de meio palmo de profundidade, sobre uma laje enterrada. Não havia lugar para a planta enraizar-se. Onde há pouca terra as pedras ficam perto da superfície do solo, a semente germina e a planta, profusa e luxuriantemente, cresce rápido. Mas o calor do sol revelou a sua fraqueza. Ela floresceu nos dias frescos, mas morreu nos dias quentes, incapaz de suportar o próprio sol que, fossem as raízes mais profundas, tê-la-ia tornado ainda mais forte, porque o calor do dia preservado nas pedras fornece força necessária para a semente germinar, mas como a planta não tem raízes profundas, morre também rápido.
Este solo, explicou Jesus, era como o homem “que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, sendo, antes, de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza” (Mt. 13:20-21).
O que significa isso? O primeiro homem, representado pelo solo endurecido, não sente atração alguma pela mensagem, e nem fica impressionado com ela. Este segundo homem, simbolizado pelo solo raso, é exatamente o oposto, é um coração divido, ou melhor, um coração que mantêm uma capa de falsidade, sente atração imediata, porém superficial. Evidencia aparência de fertilidade, contudo, sob ele as pedras impedem a semente de enraizar, crescer e produzir frutos. Este tipo de pessoa recebe a palavra de Deus com entusiasmo, dando a impressão que houve arrependimento e salvação. No entanto, no primeiro momento de angústia ou perseguição, se escandaliza e apostata da fé. É um homem de disposição superficial, que facilmente pode ser estimulado, mas também facilmente poder desanimar na caminhada cristã.
O coração raso é apaixonado, mas apressado. O evangelho deveria trazer sempre alegria, mas precisa de ser uma alegria profunda, o bastante para suportar os choques. Ela precisa de ser o tipo de alegria que o tempo e a circunstância não podem tirar de nós (Jo. 16:22-24). Precisa de ser a alegria pela coisa justa (Lc. 10:17), e precisa de ser uma alegria que vê a perseguição e o sofrimento por amor de Cristo como um privilégio e uma bênção (Lc. 6:22-23). Precisamos de seguir os passos de nosso Senhor, “o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia” (Hb. 12:2). Tornar-se um cristão é certamente uma experiência emocional, mas é também uma experiência da mente e da vontade.
O falso calor da emoção cria de imediato uma expressão de intensa religiosidade, mas a falsidade dessa expressão não pode perdurar muito com entusiasmo. Logo aparecem os sinais de morte, logo a alegria desaparece, a intensidade diminui e a vida em potencial fenece. Porque o evangelho não desceu profundamente dentro de seu entendimento e vontade. Assim, quando as circunstâncias mudam, quando os dias difíceis de perseguição e adversidade chegam, não há raiz profunda de fé para sustentá-los. Eles não tinham pensado profundamente no reino e em seu eterno valor.
Esta é a própria razão pela qual aquele que vem muito rapidamente seguir Jesus precisa de parar e pensar sobre o que isso significa. É por amor de nós que o Senhor frequentemente esfria nosso entusiasmo descuidado, advertindo-nos a parar um momento e calcular o custo (Lc. 9:57-58). Ele quer que o acompanhemos todo o tempo e não que sejamos descarrilados por alguma dificuldade imprevista para um reino ao qual não chegamos a dar um valor suficientemente alto. É minha opinião que nada mais precisa de ser ensinado hoje às pessoas interessadas no evangelho, religiosas ou não religiosas, do que o custo do discipulado. Aqueles que veem ao reino e sobrevivem precisam estar profundamente comprometidos com Jesus.
Tiago fala da possibilidade de termos o ânimo dobre, o coração dividido, e assim fazendo não agradamos a Deus inteiramente (Tg 4:8). Esse é o símbolo de uma pessoa que se alegra com a Palavra de Deus, mas que não quer pagar o preço do discipulado quando chegam a angústia e a perseguição.
O discipulado envolve sofrimento. Ninguém deve esperar que a caminhada após Jesus seja sem problemas. Os crentes são tão acometidos de dissabores quanto os incrédulos. A tragédia, a destruição e a morte também sobrevêm aos salvos (Rm 8:18; 2 co 1:6, 7;2:4; Cl. 1:24; Tg. 5:10; 1 Pe. 4:13; 5:10).
 Alguém que se propõe a seguir a Cristo e não estiver disposto a sofrer as mazelas da vida e o preço do discipulado, morrerá e não frutificará.
3) O Terreno Espinhoso - Um Coração Ligado ao Mundo (Mt. 13:22; Mc. 4:7 e Lc. 8:14).
Um solo onde juntamente com a semente, cresceram também as plantas espinhosas. Os espinhos são aqui, os cuidados da vida. Há aqueles que receberam a palavra, receberam o chamado, mas sempre alegam que há algo que ainda precisam resolver, antes de viver para Deus.
Eles sabem, conhecem a palavra, entretanto, diante das tentações, das ofertas mundanas, dos prazeres oferecidos, das facilidades, dos atalhos, acabam sucumbindo, são sufocados pelo pecado. Não conseguem rejeitar e renunciar à prática de vida pecaminosa do mundo.
O terreno espinhoso é o coração atribulado com as coisas do mundo, colocando-as no lugar de Deus. A cobiça, quando não extinguida do coração, se transforma em praga mortífera que sufoca e impede o desenvolvimento da planta (palavra), de cumprir o seu papel que é crescer e produzir frutos.
 Esta parte da história de Jesus sobre o semeador não se refere à semente lançada sobre uma já visível infestação de ervas, mas ao solo adulterado com sementes de plantas inúteis e daninhas. O solo é rico, profundo e receptivo, mas está corrompido. Os espinhos, que não produzirão nada de bom, simplesmente crescerão para sobrecarregar o solo e enfraquecer a boa semente até que ela, também, fique infrutífera. Deste solo possuído pelos espinhos Jesus diz: “O que foi semeado entre os espinhos é o que ouve a palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera” (Mt. 13:22). À lista dos empecilhos da frutificação, Marcos acrescenta: “as demais ambições” (4:19), e Lucas em 8:14: “deleites da vida”.
Quais são os espinhos que podem sangrar totalmente a vitalidade espiritual de um filho de Deus? Jesus é explícito. Os cuidados deste mundo, a fascinação da riqueza e as demais ambições, podem fazê-lo. Preocupação constante com alimento e abrigo e o medo de não ter o suficiente não somente difamam a fidelidade de Deus, mas permitem que ansiedade descuidada roube de Deus as energias que lhe devemos (Mt. 6:25-34). Os cristãos que exaurem as suas forças no temor e preocupação nunca florescerão, nem darão fruto. Por que nos enganamos? A preocupação não é somente desgastante, é pecaminosa. Ela diz, implicitamente, que Deus não nos ajudará e que precisamos nos arranjar sem ele.
Os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a Palavra nos corações de alguns: são obstáculos do presente século. São os que amam o mundo, o sistema atual (Mt. 16:26; Lc. 21:34, 1 Co 1:21; 1 Jo 2:15); suas riquezas (Mt. 6:24; 1 Tm 6:10); sua aparência (1 Co. 7:31); sua glória (Jo. 12:43). São os que buscam o conforto pessoal, a fama, a posição social, o prestígio entre os homens, ao ponto da verdadeira prática da vida espiritual se tornar impossível. Quem assim age é sufocado e os frutos não amadurecem (Lc. 8:14). A palavra ouvida deixa de dar frutos de vida e esperança. Esse tipo de discípulo usa as suas riquezas para desfrutar de um tipo de via característico das pessoas essencialmente mundanas, que possuem recursos para satisfazer os seus desejos profanos. A sedução da riqueza sufoca a Palavra e ela se torna infrutífera. É como Ló, que morava entre os sodomitas, adotando a moral deles, ainda que intimamente se lembrasse da orientação de sua vida anterior. Tal discípulo, naturalmente, não produz frutos perfeitos. Jesus indica que esse tipo de vida trará, finalmente, a ruína do discipulado.
O amor pelas coisas pode também sufocar efetivamente o espírito. O dinheiro e a propriedade podem parecer tão tangíveis, tão reais e tão asseguradores, mas as riquezas são enganadoras. Elas prometem realização, porém nunca a dão (Ec. 5:9-10). Elas prometem segurança, mas batem asas como uma ave selvagem (Pv. 23:5).
Os “deleites da vida” podem agir para nos sugar. O que há de errado com os prazeres? Alguém pergunta. A vida do reino tem que ser uma longa dor de cabeça de miséria e negação de si mesmo? A resposta à primeira pergunta é: “nada” e à segunda é “não”. Nada há de errado com o trabalhar diligentemente por nosso alimento, ou ter riqueza, ou gozar das coisas agradáveis que Deus nos deu ricamente (1 Tm. 6:17). Mas qualquer delas, ou todas são erradas para aqueles que tem estado “sufocados” por elas, quando elas se tornaram a paixão de suas vidas. Algumas pessoas deixam que estas coisas intrinsecamente legítimas as dominem tanto que elas são possuídas e governadas por elas. Preocupações ou bênçãos legítimas tornam-se em temor, ganância ou ansiedade. Deus e seu reino estão apinhados até os limites. A voz de Deus se torna velada pelo clamor. As bênçãos de nosso Pai deveriam ser uma ocasião para seus filhos agradecerem a ele e servirem-no, mas elas podem facilmente se tornar a causa de nosso descontentamento e inutilidade.
Adam Clarke escreveu como segue: “Estupidez horrível a do homem, pois troca, dessa maneira, bens espirituais por bens temporais; a herança celeste por vantagens terrenas”. Aquele que escolhe o coração dividido, o coração apinhado, diz Jesus, não dará frutos que amadureçam (Lc. 8:14), literalmente, nunca levará até ao fim, nunca terminará a tarefa.
Resumindo estes três tipos de corações, poderíamos dizer que quanto ao grau de aceitação: o primeiro não aceita jamais a palavra; o segundo aceita-a superficialmente; o terceiro aceita-a em nível mais elevado, mas com imperfeições.
“O primeiro caso exemplificaria a atitude infantil, desatenta, negligente; o segundo caso exemplifica a atitude juvenil, intensa, zelosa, mas de curta duração; o terceiro caso ilustra a atitude adulta, egoística, que tenta adquirir os bens deste mundo. O primeiro não pode produzir nada, o segundo só chega a brotar, o terceiro nem chega a frutificar” Alford.
4) A Boa Terra – O Coração Que Frutifica
É no coração exemplificado pela terra boa na parábola do semeador que o espírito e o caráter do reino do céu são apanhados e contidos. É aqui que a parábola tem o seu foco. As outras terras — resistentes, inadequadas e improdutivas — nos dizem como fracassar; a terra boa nos diz como ter bom sucesso.
No relato de Lucas, Jesus identifica a semente lançada na boa terra como o coração aberto com fome e sede da palavra de Deus, como aquele que recebe a palavra com “reto coração” (8:15), como aquele que ouve atentamente e se deixa convencer pelo Espírito Santo sobre a autenticidade e eficácia da palavra rica e poderosa para orientar o homem por caminhos seguros, como aquele que segue os comandos da palavra, se arrepende dos pecados e busca o perdão através de Jesus Cristo, como aquele que abre mão de tudo o que se identifica como ídolo em sua vida (lembrando que ídolo é qualquer coisa que ocupa o lugar de Deus). Lamentavelmente muitos cristãos permanecem na idolatria. Peça a Deus que sonde o seu coração e lhe mostre quem está ocupando o lugar dEle.
Esta descrição nada tem a ver com a justiça essencial, ou mesmo com a “boa pessoa”, mas com aquela atitude que até o maior pecador pode ter quando confrontado com o evangelho. Isto é o coração, ainda que possa ter sido ímpio, que agora é sincero, aberto, despido de toda hipocrisia. Como disse o Senhor, o chamado do seu reino não é para os justos, mas para os pecadores (Lc. 5:32). E pecadores podem, se quiserem, responder honestamente.
De que modo o “bom e reto coração” é bom? Em Mateus, o Senhor diz que eles “ouvem a palavra e a compreendem” (Mt. 13:23). Marcos regista que eles “ouvem a palavra e a recebem” (Mc. 4:20). O coração verdadeiro, então, não somente ouve a palavra do reino, mas, diferente do coração duro (solo da beira da estrada), compreende-a e recebe-a. Tudo isto torna claro que compreender Deus não é tanto um exercício intelectual como é moral. Não é um grande intelecto que afasta os homens do reino, mas um coração pequeno e relutante.
Mas há mais. Lucas acrescenta que os corações verdadeiros “... tendo ouvido de bom e reto coração, retêm a palavra; estes frutificam com perseverança” (Lc. 8:15). Há, no coração bom, em contraste com o coração raso (solo pedregoso), uma dimensão de profundidade e tenacidade. Com este modo de pensar, há uma compreensão genuína do valor do reino e uma disposição a sofrer e investir pacientemente, de modo a possuí-lo. Tal coração chega a compreender “... qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade” do amor, e a ser cheio de “...toda a plenitude de Deus” (Ef. 3:18-19).
Jesus, ao terminar a parábola dizendo: “E os que recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra e a recebem, e dão fruto, um a trinta, outro a sessenta, outro a cem, por um” (v. 20), está cheio de confiança. Isto sugere diferentes graus de fidelidade ou consagração? A responsabilidade vem a nós no reino de acordo com nossa capacidade. O fruto produzido pode variar, porém a consagração do coração não pode. Certamente, o Senhor nos julgará por todas as nossas oportunidades e capacidades, mas um coração puro e singelo, é a única coisa que não é negociável.
Os corações honestos e bons, diferentes dos corações apinhados (terreno espinhoso), produzem frutos que dão colheita, isto é, eles cumprem o propósito de Deus em suas vidas. Ele sabe que a hora de Deus vem e com ela a bênção duma colheita que supera toda a compreensão. Apesar da oposição, da dureza de coração, do sistema mundano, Deus fará com que a semente cumpra o proposto desejado, pois ela não volta vazia (Is. 55:11). O propósito de Deus para cada homem é vê-lo salvo, livre da opressão maligna, curado, transformado, crescendo em conhecimento bíblico e obediência à sua palavra e sobre tudo, frutificando abundantemente em muitos corações. “Olhem para o camponês”, diz Jesus “bem que ele poderia desanimar diante de tantos obstáculos que destroem e ameaçam sua plantação. Todavia não se deixa desanimar nem perde a confiança de que obterá o fruto duma rica colheita. Como a fé de vocês é tão pequena! Como é que ainda não tendes fé?” (Mc 4:40).
A semente é a mesma para todos os tipos de solo, mas só um multiplica. Isso explica o facto de várias pessoas ouvirem a mesma palavra e nem todas se converterem, e, ainda mostra a necessidade de pregarmos a Palavra a todas as pessoas esperando que alguns frutifiquem. É bom notar que neste último caso a pessoa “compreende” a Palavra, mostrando a necessidade do ensino e do discipulado.
 A colheita é o alvo da semeadura e o coração receptivo à Palavra produz frutos a cem, sessenta e trinta por um (Mt. 13:23). Isto é, alguns produzem mais que os outros, dependendo do grau de envolvimento com a Palavra e com o Deus da Palavra, da resposta que dão a Deus, mas todos produzem.
Esta parábola, no mínimo nos leva a um exame de consciência. Nos convida a refletir sobre a importância da Palavra de Deus e os efeitos que ela causa (se deixarmos) em nós. Por que lemos a Bíblia? “Porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” – (2 Pe. 1:21). A Bíblia é o livro de Deus. É importante que nós leiamos este livro, porque o Deus do universo o escreveu e deseja que ele contribua para nosso aperfeiçoamento diária.
Leia a Bíblia diariamente. Dwigt Moody, evangelista famoso do século dezanove, ao presentear um amigo com uma Bíblia fez a seguinte dedicatória: “Este livro vai separar você dos seus pecados, ou os seus pecados irão separar você deste livro”. Pense nisto!
Uma semente germina onde cai, até mesmo entre as pedras, nas rachaduras do solo seco, ou no meio do espinheiro, mas sem criar raízes, ela não se desenvolve, jamais produzirá frutos! Enquanto que a palavra de Deus, a mensagem de amor a Deus e ao próximo, no coração de quem a acolhe com alegria, com compromisso, fidelidade e humilde anda em mansidão, em paz, é pacificador, recebe a paz e é embaixador da paz de Cristo, é como um vulcão em constante erupção, nunca para, nunca cansa, e nem descansa, é sempre um movimento constante, suave e belo, como as gigantescas labaredas de fogo iluminando e aquecendo a humanidade às vezes fria do Divino e do humano.
Conclusão
Precisamos continuar orando para que a Palavra de Deus promova as mudanças nas pessoas cujos corações se assemelham ao caminho, ao solo rochoso e ao solo espinhoso e assim venham a ser salvos pela pregação da Palavra. Precisamos continuar pregando em todo o tempo e lugar para que onde houver um coração já preparado pelo Espírito Santo, haja salvação.
 Precisamos guardar bem o nosso coração, deixá-lo à vontade do semeador, acolher a semente, regá-la com a oração e deixar que Deus aqueça com a Sua presença para que produzamos os frutos que o semeador deseja colher de nós. Que em nossos corações a semente produza frutos para vida eterna. Qual a sua resposta?

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