“… quando orardes, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente” (Mt. 6:6).
Este
texto aborda a profundeza do pecado do homem, pois mostra como ele nos
acompanha até às portas do céu. Muitas vezes consideramos pecado apenas a forma
de ações como “faço isto ou faço aquilo que não condiz com a conduta cristã”,
mas o texto em consideração nos mostra que podemos estar pecando inclusive por
meio dos instrumentos mais santos que Deus nos dá para adorá-lo. Como bem disse
Lloyd-Jones, é nos homens santos e ajoelhados que vemos o alcance e a
profundeza das tentações e do pecado na vida do homem, pois até na oração
podemos ser tentados para utilizá-la para nossa própria glória.
Se
queres encontrar uma pessoa verdadeiramente espiritual, quer dizer, um homem
que, com simplicidade, se deixa levar e cativar pela oração, de tal modo que
nada mais o interessa, não deves ir procurá-lo entre as multidões, onde os
homens se reúnem para se evidenciar, se elogiarem mutuamente ou dizerem
futilidades.
No
entanto, há pessoas de oração na cidade, mas não os encontrarás, pois eles
estão escondidos em lugares bem fechados. Pouco importa que seja em Lisboa, na
multidão do Metro, no deserto ou ainda numa gruta da montanha, o essencial é
que “te guardes de praticar a tua justiça
diante dos homens, com o fim de vos tornardes notados por eles” (Mt. 6:1), ou
seja, “tem cuidado de não fazeres teus actos de justiça em frente dos outros só
para seres visto por eles. Estas palavras são para aqueles que nasceram de novo
e para aqueles que não nasceram de novo ainda. Todavia, nós, os justos, devemos
guardar na mente essas palavras: “Guardais-vos
de praticar vossos actos de justiça diante dos homens”.
A
advertência “guardai-vos” é muito profunda! O Senhor Jesus ensina que a oração
deve trilhar o caminho da justiça, da misericórdia e da humildade, deve ser sem
ostentação, dirigido ao Pai e não aos homens. Ele coloca a justiça dentro da
história do relacionamento entre Deus e a humanidade. Esse caminho envolve
trilhar o caminho estreito do Reino de Deus e não as estradas dos impérios de
hoje. Temos todos a tendência de expor na vitrina artigos melhores que os que
temos em stock nas prateleiras, e exibir amostras mais bonitas que o material
que podemos fornecer em quantidade.
Não
procures ser visto pelos homens, não fales de ti, nem em bem nem em mal, não
ostentes a tua vida de oração na praça pública; numa palavra, não te exponhas
perante ninguém. Os verdadeiros homens de Deus, que sobem ao Seu santo Monte, que
entram no salão do trono de Deus, o todo-poderoso, o absoluto, o grande e
eterno Deus que brande todo o poder, força e majestade, aquele Deus que é fogo
consumidor, aquele Deus que é luz e em Quem não há treva nenhuma, aquele Deus
total e absolutamente santo, evitarão sempre dizer que praticam a oração de
Jesus, pois esta é uma “actividade escondida”.
O
crente deve viver de tal maneira que os homens, ao olharem para ele, ao contemplarem
a qualidade de sua vida, glorifiquem a Deus. Ao mesmo tempo, cumpre-lhe
relembrar que ele jamais deve fazer essas coisas com o intuito de atrair a
atenção para a sua própria pessoa. O crente não deve desejar ser um espectáculo
admirado pelos homens, e nunca deveria estar cônscio de sua própria
importância.
Todos
esses homens tomaram à letra a palavra de Jesus: “Quando orardes, não sejais como os hipócritas que gostam de orar de pé,
nas sinagogas, para serem vistos pelos homens” (Mt. 6:5). Nota que Jesus
começa dizendo “quando orardes” (v. 5). Quando orardes, não sejas como eles,
disse Ele. Ora isto significa que o confronto que encontramos neste texto não
está dirigido à oração em si, mas à forma e atitude que temos no momento de
orar. O facto de Jesus iniciar a sua advertência dizendo “quando orardes”,
implica em que ele assume que seus discípulos oram como uma prática rotineira,
contínua. O nosso Senhor foi um homem de profunda e constante oração. Lucas nos
conta no seu evangelho (Lc. 18:1) que ele encorajou seus discípulos a “orar sempre e nunca esmorecer”. O
apóstolo Paulo ainda reforçou também a necessidade da oração constante aos
crentes em Tessalónica com as palavras: “orai
sem cessar...” (1 Ts. 5:17). A oração é uma marca do crente, pois é o canal
de comunicação do cristão com o seu Deus. É através da oração que chegamos
diante do trono de Deus para buscarmos a sua graça, o seu perdão, a sua
benevolência e as suas bênçãos. Portanto, não tens desculpa para não orares. O
problema colocado aqui é a atitude que podemos tomar diante da prática da
justiça por meio da oração. Neste sentido, uma atitude errada é destacada por
Jesus: a vanglória (v. 5).
Devemos
procurar um lugar afastado para oferecer a maior parte das nossas orações. Esta
é a advertência de Cristo àqueles que já nasceram de Novo; pois até mesmo esses
necessitam de cuidado para não se tornarem culpados daquela hipocrisia
tipicamente farisaica, em suas orações e devoções. Se queres ser admirado e
visto pelos homens, não poderás ser olhado e contemplado por Deus, pois ele
quer ser o único a possuir-te. Sobre este ponto, é preciso escolher, e Deus não
pode transigir. Eis porque o Espírito Santo te inspira o desejo de te
esconderes para pertenceres só a Deus. A oração é a mais elevada realização do
ser humano, é a sua mais nobre atitude. Nunca o homem se mostra tão grande como
quando entra em comunhão e contacto com Deus. Por isso, aquele que ora deve
fixar sua atenção em Deus, concentrando nEle todo o interesse, esquecendo-se de
qualquer outra coisa. A grande e importante questão é que devemos entender que quando
oramos, em qualquer lugar ou ocasião, nos estamos aproximando de Deus. A
comunhão constante com Deus é o segredo para O conhecer e para se ter
influência com Ele. Essa é a faceta que realmente importa. A oração é a busca
de Deus e precisa de ser feita do fundo do coração, não precisa de muitas
palavras e nem de qualquer encenação para alcançar a Divindade e gerar uma
grandiosa força que ajuda a aceitação de situações difíceis de forma equilibrada
e boa. Nós o buscamos para reconhecê-lo tal como ele é, Deus, o Criador; Deus,
o Senhor; Deus, o Juiz; Deus, nosso Pai celestial através de Jesus Cristo,
nosso Salvador. Desejamos encontrá-lo no lugar secreto a fim de nos ajoelharmos
diante dele em humilde adoração, amor e confiança.
O
Senhor cede ante a persistência de uma fé que O conhece. Confere as Suas
bênçãos mais ricas aos que manifestam desejo e estima por estes bens, tanto
pela constância como pelo fervor da sua importunidade. Portanto, quando orardes,
não procures ser visto pelos homens, mas detém-te, no teu íntimo, sob o olhar
do Pai.
Tudo
isto é muito difícil de exprimir, pois isto é um mistério de silêncio que não
se compreende senão no silêncio, que é uma “precaução do amor”. Quando dois
seres se amam, sentem necessidade de se isolarem da multidão e de ir para as
florestas ou lugares desertos, onde não sejam vistos de ninguém para estar sós
a gozar um do outro. Mesmo quando o outro está ausente, mantêm-se sob o olhar,
um do outro, e preferem o silêncio e a solidão ao ruído de agora.
“O meu amado é para mim e eu sou para ele”
(Ct. 2:16). Nunca poderás supor que um terceiro possa introduzir-se entre duas
pessoas que se amam verdadeiramente. O ciúme é uma exigência necessária de todo
o amor sério. Ora se Deus te ama verdadeiramente, contando cada cabelo da tua
cabeça e cuidando por cada instante da tua vida, é normal que seja ciumento do
teu coração. Só um autêntico apaixonado pode compreender este ciúme de Deus. É
preciso ser filho muito amado do Pai para compreender a intimidade do seu amor
e o ciúme que resulta do seu carácter excessivo. Compreendes agora porque é que
Cristo te suplica que não atraias os olhares dos homens sobre ti, numa palavra:
que não te prostituas, entregando o teu coração ou o teu corpo à curiosidade
dos outros.
Neste
sentido, não podes revelar-te aos outros, senão na medida em que Deus to pede.
Toda a confidência inútil sobre ti próprio tem já alguma coisa de impuro. Do
mesmo modo, quando, com desejo excessivo, curiosidade ou violência, tentas
penetrar no mistério do outro, para que ele se descubra ou desvende diante de
ti, as suas faltas, mesmo que não o desejes. A alma e o coração do teu irmão
são de Deus, e não deves pressioná-lo a prostituir-se, prestando-lhe louvores
inúteis ou desejando nele aquilo que pertence a Deus. Há homens que por nada do
mundo quereriam faltar à santidade, mas que violam o coração dos seus irmãos,
quer multiplicando as confidências, quer extorquindo-lhas.
A
alma e o coração do teu irmão são de Deus, e não deves pressioná-lo a
prostituir-se, prestando-lhe louvores inúteis ou desejando nele aquilo que
pertence a Deus. Há homens que por nada do mundo quereriam faltar à santidade
do corpo, mas que violam o coração dos seus irmãos, quer multiplicando as
confidências, quer extorquindo-lhas. O pudor do corpo não é senão um reflexo do
pudor da alma.
Eis
a razão por que o silêncio é não só uma precaução do amor, mas a essência da santidade.
Quando oras, jejuas ou dás esmola, que a tua esquerda ignore o que faz a
direita. Presta, tanto quanto possível, serviços ocultos. Deus guarda tudo no
seu coração.
Na
oração, imita a formiga, para passares despercebido. Não contes as tuas
descobertas nem as tuas lutas espirituais. Sobretudo, não sejas actor no teu
teatro interior, pois há o perigo de te olhares ao espelho para gozares de ti
mesmo. Sobre este ponto, Deus é extremamente ciumento. É o único que conhece
verdadeiramente a tua beleza e, por isso, a esconde com frequência, aos teus
próprios olhos e aos dos outros: “Se te
ignoras, ó mais formosa entre as mulheres…” (Ct 1:8). Deste um grande passo
na vida espiritual quando deixares de procurar a aprovação dos outros e não
deres importância ao que pensam de ti. O essencial é viver do olhar de Deus e
de ser a sua alegria.
“Vem minha pomba, que te ocultas nas fendas
dos rochedos e nas fendas das rochas escarpadas, mostra-me o teu rosto, faz-me
ouvir a tua voz; porque a tua voz é suave, e gracioso o teu rosto” (Ct. 2:14).
Dizem que é sempre difícil encontrar os cristãos que vivem na montanha da
oração, pois escondem-se nas anfractuosidades (sinuosidade) dos rochedos ou nas
grutas, desejam que Deus seja o único a conhecer o seu rosto e a ouvir a sua
voz. Não podes calcular a alegria que é ser envolvido par esse olhar de Deus
que descobre a tua intimidade sem nunca te desnudar.
Há
coisas que, em ti, devem ser feitas, e que não dependem unicamente da tua boa
vontade. Só o olhar de Deus pode curar todas as tuas feridas no silêncio da
oração.
Expõe-te
à luz da Palavra, é aí que está a cura: “Mas
para vós que temeis o meu Nome, brilhará o sol da justiça trazendo a salvação
nos seus raios” (Ml. 3:20).
A
tristeza e a calamidade estão permanentemente sobrevindo aos soberbos ou
àqueles que cometem perversidade; enquanto, sobre aqueles que temem o nome de
Deus, o sol da justiça está sempre raiando e brilhando até ser dia perfeito. Os
raios do sol não trazem apenas luz e côr, mas trazem também saúde e vitalidade
ao mundo e aos homens; assim em Jesus há poder para salvação.
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