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quarta-feira, 10 de julho de 2013

A Perseverança na Oração

Quando falamos aqui de oração, falamos de um relacionamento afectuoso a sós com o Deus que sabemos que nos ama; falamos de um avançar na intersubjectividade íntima e profunda, em e com o Senhor que se nos oferece como companheiro de vida.
A oração é o sublime meio de graça pelo qual estreitamos a nossa comunhão com Deus. É um instrumento para confissão de pecados, para manifestação da nossa gratidão por todas as bênçãos que o Senhor nos tem concedido por graça e por misericórdia, além de ser um instrumento para afinar a nossa comunhão com o Senhor, pois no momento da oração estamos entrando na presença de Deus, graças à mediação de nosso Senhor Jesus Cristo. Estamos conversando “face a face” com Deus pela fé, e nos habilitando para Deus falar connosco. Este estreitamento de comunhão nos leva a algumas descobertas extremamente valorosas para a caminhada cristã.
A oração constante e perseverante também atrai o poder de Deus para a vida do crente capacitando-o para fazer a obra de Deus de uma forma que Lhe seja agradável.
Na Bíblia encontramos por diversas vezes o mandamento para perseverarmos na prática de algumas virtudes da vida cristã, inclusive para perseverarmos na oração. “... perseverai na oração” (Rm. 12:12). “Perseverai em oração, velando nela com ação de graças” (Cl. 4:2). “Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a perseverança e súplica por todos os santos” (Ef. 6:18). O Salvador, que viveu uma vida de intensa oração, contou uma parábola para incentivar os seus discípulos a perseverarem na oração. “E contou-lhes também uma parábola sobre o dever de orar sempre, e nunca desfalecer...” (Lc. 18:1-8). O desafio de Cristo para os seus discípulos é que estes tenham bom ânimo no meio das aflições. Por isso precisamos de ser reanimados sempre, no Senhor, através da comunhão na oração.
Observa-se na vida dos crentes em geral que quando estão enfrentando alguma dificuldade dedicam-se à oração. As dificuldades os levam a subir à casa do Senhor e a frequentarem os cultos de oração da Igreja e a orarem em particular. Atendida a necessidade, devagarzinho, vão deixando de perseverar em oração, pensando que a oração só deve ser praticada para solução de problemas. Essa atitude é uma atitude errada, pois, antes de ser um instrumento para a solução de problema a oração é uma forma de adorarmos a Deus.
Quando buscamos a Deus em oração e de todo coração, Deus em sua infinita graça renova as nossas forças, podemos gozar da paz experimentada pelo profeta: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação”. Tudo pode falhar; porém a alegria e a esperança em Deus, jamais. A oração é o meio pelo qual o cristão pode enfrentar os mais diversos desafios da vida sem ser dominado ou destruído por estes. O apóstolo Paulo nos ensina em sua carta aos Filipenses, que é possível viver contente em toda e qualquer situação, na certeza do poder que nos fortalece. A paz e a alegria do cristão não podem depender das circunstâncias. Quem vive na presença do Deus todo-poderoso, por meio de uma vida constante de oração, certamente desfrutará da paz que, conforme Paulo, “excede todo entendimento”.
O grande desafio do povo de Deus nos dias de hoje é enfrentar os desafios de sua caminhada cristã sem esmorecer. A melhor maneira de se enfrentar desta forma é através de uma vida de relacionamento íntimo com Deus. A igreja Primitiva foi alvo de grande perseguição e é no meio da ferocidade dos inimigos do cristianismo que nos deparamos com os mais belos testemunhos de fé e comunhão com Deus: Estevão é um destes maravilhosos exemplos de vida cristã.
A oração é parte integrante da vida da Igreja, é uma das suas preocupações fundamentais. Não podemos ser discípulos de Jesus e nem andar com Deus se não aprendermos a orar. Para aprendermos precisamos de começar a praticar. A prática nos ajudará a orarmos cada vez mais e melhor. Precisamos de tomar a decisão de ter uma vida de oração e ter atitude. Deus vai operando normalmente na história da humanidade, mas a igreja torna-se participante do agir de Deus à medida que se compromete com ele em oração. Orar não é uma prática simples ou corriqueira; oração é uma atividade que exige esforço daquele que está comprometido com Deus e sua obra.
No reino espiritual não se consegue fazer muita coisa a não ser quando se vive uma vida de constante oração. O diabo sabe disso e faz tudo para tirar o crente do lugar da oração. Ele buzina nos ouvidos dos crentes amplificando o desânimo e o cansaço, fazendo com que seja um peso em suas vidas ou lhes apresenta coisas interessantes, bonitas, atraentes como um programa de televisão, um momento de lazer, etc. Há ainda aquelas situações em que nós mesmos colocamos sobre nós uma carga excessiva de trabalho quer se tratando de afazeres domésticos quer se tratando do nosso “ganha pão”, e dizemos que não temos tempo para estar aos pés de Jesus, juntos com os nossos irmãos, orando por nós mesmos, por nossas família, pela Igreja e pela salvação das almas perdidas.
Diante disso, amados, lutemos para perseverar em oração, independente de circunstâncias, pois há um poder extraordinário na súplica de um crente. (Veja Tg. 5:16).    
1.     Quanto mais se ora, mais se quer orar
Tendo em conta o que vem de Deus para nós e o que vai de nós para Deus, até o mais desatento se apercebe da desproporção. O salvo deve entender que a sua alma respira a oração, necessita da oração para viver uma vida de comunhão com Deus e para viver uma vida cristã frutífera. Mesmo que orássemos a vida toda, seria sempre pouco. Portanto, no que toca à oração, nunca se peca por excesso. Acresce que, na hora presente, se há algum problema neste domínio, não é de excesso; é de défice. Era isso que os irmãos antigos entendiam, pois, estavam sempre se reunindo para orar a Deus. “Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At. 1:14). “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações” (At. 2:42).
A oração leva a alma a uma boa disposição. Primeiro, ela nos ensina a reconhecer melhor Deus como o livre Doador, que não tem nenhuma obrigação para connosco; que pode dar ou não; e se Ele dá, é somente devido à Sua bondade. Em segundo lugar, ela fará com que o suplicante seja mais humilde, visto que ele percebe que é indigno de todas as graças e bênçãos: “O pobre fala com súplicas” (Pv. 18:23). Estimaremos uma bênção muito mais se a tivermos recebido sob muitas orações, e teremos mais alegria se percebermos em tudo isso que, Deus respondeu às nossas orações.
Toda a potência viva é expansiva. O homem, a nível simplesmente humano, tem uma tensão interior que o faz aspirar por distâncias inalcançáveis; qualquer meta atingida deixa-o, como um arco tenso, sempre insatisfeito. O que é a nostalgia? Uma busca interminável de uma plenitude que nunca chegará.
No meio da criação, o homem aparece e constitui uma unidade; a acção, o pensamento e o sentimento em unidade com todo o ser. Então este ser vivente é a expressão ou transcrição do Criador eterno e incorpório em termos de uma existência temporal, corpória e própria de uma criatura. Neste sentido a semelhança viveu à queda. Enquanto humanos somos por definição, à imagem de Deus. Mas a semelhança espiritual – numa palavra, amor – só pode estar presente onde Deus e o homem estiverem em comunhão.
Todavia, o homem aparece como um ser estranho, como um “caso de emergência”: possui faculdades que foram estruturadas para esta ou aquela função; cumprida a função, conseguido o objectivo, sente que algo lhe falta. Pensemos, por exemplo, no apetite sexual ou na sede de riqueza; satisfeitas as exigências, o homem continua “faminto” e depois de cada satisfação obtida lança-se em busca de novas riquezas ou novas sensações.
A nível espiritual, o homem é como uma seta disparada em, direcção a um universo (Deus) que, como centro de gravidade, exerce uma atracção irresistível, e quanto mais se aproxima desse universo, maior velocidade adquire. Quanto mais se ama a Deus, mais se quer amá-Lo. Quanto mais conversamos com Ele, mais vontade temos de com Ele conversar. A atracção para Ele está na proporção da proximidade d'Ele.
Sem o percebermos, sob todas as nossas insatisfações, corre uma torrente que se dirige para Aquele que se apresenta como “Eu Sou”, o único capaz de concentrar as forças do homem e de acalmar as suas quimeras.
Ó Deus, tu és o meu Deus, eu Te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti, o meu corpo Te deseja muito em uma terra seca e cansada, onde não há água” (Sl. 63).
Existe a lei do treino, válida para os desportos atléticos e válida também para os desportos do espírito. Quanto mais treino, mais e melhores resultados. Se me dizem, de repente, para fazer uma caminhada de 30 quilómetros a pé, hoje eu não seria capaz. Mas se treinar diariamente, fazendo longas caminhadas, depois de alguns meses não teria dificuldade alguma em percorrer os trinta quilómetros. Como se explica isso? Tinha capacidades atléticas que estavam adormecidas, talvez atrofiadas, por falta de activação. Postas, em acção, despertaram e desenvolveram-se.
Do mesmo modo, temos na alma capacidades que podem estar eventualmente adormecidas, por falta de treino. Deus pôs no fundo da nossa vida um germe que é um Dom-Potência, capaz de uma floração admirável. É uma aspiração profunda e filial que nos faz suspirar e aspirar por Deus-Pai. Se pomos em movimento essa aspiração, na medida em que “conhecemos” o nosso alvo e nos aproximamos do seu centro, mais intensa será a aspiração, maior o atractivo para o nosso alvo e maior a velocidade.
Está comprovado pela experiência diária: quem quer que tenha tratado intimamente com o Senhor, a sós, por alguns dias, quando volta à vida normal sente um novo atractivo que o arrastará ao encontro com Deus com maior intensidade. A oração e a adoração serão um festim, porque então sentir-se-á “cheio” de Deus. Deste modo, vai-se tornando mais intenso o atractivo de Deus, que nos impelirá com maior força para Ele, enquanto o mundo e a vida se irão “povoando” de Deus.
Tudo isso está comprovado na Bíblia. O autor dos Salmos sente-se sequioso de Deus, como uma terra ressequida, como uma corça que corre para a fonte de água fresca (Sl. 42). O anseio que se expressa naquele versículo não é o tatear de um estranho que procura achar Deus, é a impaciência de um amigo, de alguém que ama, para estar em contacto com aquele que tanto preza. A simplicidade e a intrepidez de Tu és meu Deus é o segredo de tudo o que se segue, pois este relacionamento é o âmago da aliança, desde o tempo dos patriarcas até o dia de hoje.
Levanta-se no meio da noite, como um amante para “estar” com o Amado. Aqui, sua realidade se mostra no amor que despertou na alma e no corpo, isto é, na totalidade do ser de Davi, que se sente profundamente inquieto e insatisfeito sem Deus. Jesus “rouba” as horas de descanso e de sono e vai para os montes para “passar” a noite com o Pai.
Guardado pelos SS, suspeitando da sua morte próxima, escrevia Bonhoeffer a um amigo: “No dia do meu enterro, gostaria que me cantassem: Umá só coisa peço ao Senhor, habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida”.
Cumpre-se a lei: quanto maior a proximidade, maior a velocidade, exactamente como com a lei física da atracção das massas. Aumenta a atracção na medida em que é maior o volume das massas e maior a proximidade das mesmas.
Se somos sinceros, se olhamos sem pestanejar para a nossa própria história com Deus, experimentamos também que Deus é como um abismo que atrai e cativa e que, quanto mais nos aproximamos, mais nos prende e embriaga.
Ó Trindade eterna! És um mar insondável em que, quanto mais me aprofundo, mais te encontro; e quanto mais te encontro mais te procuro ainda. De Ti jamais se pode dizer: basta: A alma que se sacia em tuas profundezas, deseja-te sem cessar porque sempre está faminta de Ti; está sempre desejosa de ver a tua luz na tua luz.
Poderás dar-me algo mais do que dar-te a ti mesmo? Tu és o fogo que sempre arde sem jamais se consumir, Tu és o fogo que consome em si todo o amor-próprio da alma; Tu és luz acima de toda a Luz.
Tu és o vestuário que cobre a nudez, o alimento que alegra com a sua doçura a todos os que têm fome.
Reveste-me, Trindade eterna, reveste-me de ti mesma para que eu passe esta vida na verdadeira obediência e na luz da fé com que embriagaste a minha alma”.
2.     Quanto menos se orar menos vontade há-de orar
Existe uma doença chamada anemia. É uma enfermidade particularmente perigosa porque não produz sintomas espectaculares, e a morte chega em silêncio, sem espasmos. Consiste nisto: quanto menos se come, menos apetite há; quanto menos apetite, menos se come, e sobrevém a anemia aguda. Assim se abre e se fecha num círculo, o círculo da morte.
Na vida interior também se apresenta o mesmo ciclo. Começa-se por deixar de orar por razões válidas, pelo menos aparentemente válidas. Em vez de se dirigirem do Uno (Único Deus) para o múltiplo (que não é simples nem único) como portadores de Deus, os crentes são envolvidos, fechados e presos pelo múltiplo, enchendo o seu interior de frio e de dispersão.
Desse modo começa a penetrar no interior do crente, como uma noite lenta, a dificuldade em concentrar-se no Uno e Único. À medida que for aumentando a dispersão interior, surgirão novos motivos para abandonar o relacionamento com Deus. O gosto por Deus vai-se debilitando na medida em que cresce o gosto pela multiplicidade dispersiva (pessoas, acontecimentos, sensações fortes); começa a declinar a fome de Deus na medida em que aumenta a dificuldade para “estar” alegremente com Ele. Entramos na espiral.
Aberto esse círculo, encontramo-nos numa verdadeira descida: enquanto nos vamos desligando do absolutamente Único, vamos sendo tomados pelos “outros”. Isto é, enquanto o mundo e os homens me chamam e parecem esgotar o sentido da minha vida, Deus é uma palavra que cada vez mais se vai esvaziando de sentido, até que, por fim, acaba por parecer algo sem interesse que se tem na mão; olhamos, voltamos a olhar e perguntamo-nos: para quê isto? Já não serve. Fechou-se o círculo, chegou a anemia aguda, entramos na recta final da morte, da morte de Deus na nossa vida.
Existe também a enfermidade chamada atrofia. Nesta doença, a morte chega mais silenciosa ainda. Explico-me. Toda a vida é explosão, expansão, adaptação; numa palavra: movimento. Esse movimento não é mecânico, mas dinamismo interno. Se essa tensão dinâmica for sufocada ou detida, deixará automaticamente de ser vida. Não é preciso um agente externo e mortífero para provocar um desastre. O ser vivo deixa de estar vivo desde o instante em que deixa de ser movimento.
Na vida interior acontece o mesmo. A graça é essencialmente vida, e dá à alma a faculdade de reagir dinamicamente aos dons de Deus, de mover-se para Ele, de O conhecer directamente como Ele se conhece, de O amar como Ele se ama. Em resumo, essa graça-vida estabelece entre Deus e a alma uma corrente dinâmica, reciprocidade de “conhecimento” e de amor.
Essa graça que é Dom-Potência é por sua vez expansiva e fermentadora. E como o fermento que a mulher juntou a três medidas de farinha, e levedou toda a massa. Enxertada na natureza humana, essa graça, por ser vida, tende a conquistar novas zonas no nosso interior, interpenetra progressivamente as faculdades, domina as tendências egoístas e, uma vez libertadas, submete-as ao beneplácito divino até que o ser inteiro pertença completamente ao Unico e Absoluto. Essa é a breve história de um Dom-Potência, infundido no âmago da alma.
Mas, se essa graça deixa de “mover-se”, também deixa de viver. Se essa vida não marchar ascendente e expansivamente, tomará o caminho da morte por efeito da atrofia.
Também para a vida do espírito existe a “esclerose”. Se os “tecidos” das faculdades interiores não forem submetidos a exercício, rapidamente sobrevêm a rigidez e o endurecimento. Ao orar pouco, sentimos que há dificuldades em orar, que as faculdades interiores estão endurecidas. E ao sentir a dificuldade, sentimo-nos inclinados a abandonar a oração, pela lei do menor esforço. E esse grande “Dom-Potência” simplesmente “inibe-se”, a sua vitalidade toma o caminho da inacção, da imobilidade e da morte.
Tenho a impressão de que entre os crentes, há quem tenha recebido um “forte apelo” para uma vida profunda com Deus, e de que esse “apelo” está enlanguescendo (Enfraquecendo, debelitando, perdendo as forças) por uma história que se repete frequentemente: deixaram de orar, abandonaram os actos do amor, deram pouco valor aos mandamentos do Senhor, desleixaram a oração pessoal, disseram que é preciso procurar a Deus no homem, e deixaram Deus para procurar a Deus... Conheci casos que ainda agora me entristecem: o caso de irmãos e irmãs que outrora “tiveram” uma atracção pouco comum pelo Senhor, atracção que, bem cultivada, poderia ter proporcionado à sua vida um grande voo. Entretanto, hoje estão frios e porque não dizê-lo: estão tristes.
Efectivamente, vemos muitos e muitas dominados por algo que poderíamos chamar frustração, e não sabem porquê. Para mim a explicação é muito clara: lá no fundo de si mesmos, muitas camadas abaixo do seu consciente, estão sofrendo aquele “forte apelo” que é feito para alguns e para outros não. Uma vida que poderia ter florescido e ficou só como possibilidade.
3. Quanto mais se ora “mais” Deus é Deus em nós
Deus não muda. É o definitivamente Pleno, portanto, Imutável. Está, pois, inalteravelmente presente em nós, e não admite diferentes graus de presença. O que realmente muda são as nossas relações com Ele, conforme o nosso grau de fé e amor. A oração torna mais firmes essas relações, produz uma penetração mais entranhável do Eu-Tu através da experiência afectiva e do conhecimento fruitivo, e a semelhança e a união com Ele, chegam a ser cada vez mais profundas.
Acontece como um archote dentro de uma sala escura. Quanto mais o archote alumia, melhor se vê a feição da sala, a sala faz-se “presente” ainda que não tenha mudado.
Podemos provar pela experiência que, quanto mais profunda é a oração, mais sentimos a presença de Deus patente e vivo. E quanto mais resplandece a Glória do Rosto do Senhor sobre nós (Sl. 4:6), mais os acontecimentos ficam envoltos em novo significado (Sl. 36) e a história fica “povoada” por Deus. Numa palavra, o Senhor faz-se “vivamente presente” em tudo. Não há jogo de azar, mas um timoneiro que conduz os factos com mão firme.
Quando alguém já “esteve” com Deus, Ele cada vez mais vai sendo “Alguém” por quem e com quem se superam as dificuldades e se vencem as repugnâncias (estas convertem-se em doçuras). Assumem-se com alegria os sacrifícios, nasce em toda a parte o amor. Quanto mais se “vive” com Deus, mais vontade há de estar com Ele, e quanto mais se “está” com Deus, Deus é cada vez mais “Alguém”. Abriu-se o círculo da vida.
Na medida em que o contemplador avança nos mistérios de Deus, Deus deixa de ser ideia para se converter em Transparência e começa a ser Liberdade, Humildade, Prazer, Amor e progressivamente se transforma em Força irresistível e modificadora, que tira todas as coisas dos seus lugares: onde havia violência, põe suavidade; onde havia egoísmo, põe amor e muda por completo “a face” do homem.
Se o contemplador continua a avançar pelas obscuras rotas do mistério de Deus, forças desconhecidas activadas pelo Amor empurram a alma para dentro do Deus vivo, por uma rampa totalizadora em que Deus vai sendo cada vez mais o Todo, o Unico e o Absoluto, como num torvelinho em que o homem inteiro é apanhado e arrastado enquanto se purifica e as escórias egoístas são queimadas. Deus acaba por transformar o homem contemplador numa tocha que arde, ilumina e resplandece (Jo. 5:35). Pensemos em Elias, João Baptista e outros...
Não podemos dizer: isso não é para mim. Tudo depende da altura, ou melhor, da profundidade da contemplação em que nos encontramos. Aqueles profetas não foram excepcionais por nascimento ou por casualidade, mas porque se entregaram incondicionalmente e se deixaram arrastar cada vez mais para dentro. É verdade que essa entrega exigiu deles um estado interior de alta tensão, mas o escultor de tais figuras foi, é e será Deus. Não pensemos só nos tempos passados. Hoje em dia, há entre nós homens que são viva transparência de Deus.
Mas não termina aqui o processo totalizador. Tanto quanto o contemplador se deixa “tomar”, Deus monopoliza nesse homem a função de bem que contém todas as realidades humanas, as quais tendem a converter-se em Todo o Bem: para esse homem, Deus “vale” por uma esposa carinhosa, por um bom irmão, por um pai solícito, por uma fazenda de mil hectares ou por um palácio fantástico (Mt. 12:46-50; Lc. 8:19-21; Mc. 3:31-34). Numa palavra, Deus converte-se na Grande Recompensa, num Festim, num Banquete (Ex. 19:5; Jr. 24:7); Ez. 37:27). “Tu és o meu Bem” (Sl. 16). “O teu Nome é o meu Prazer cada dia” (Sl. 89).
É isso que o salmista expressa admiravelmente quando diz: “Mas tu, Senhor, puseste no meu coração mais alegria do que quando abundam o trigo e o vinho” (Sl. 4:7). O “trigo e o vinho” simbolizam todas as compeensações, emoções e prazeres que o coração humano pode desejar. Para o homem contemplador, que “saboreou quão suave é o Senhor” (Sl. 34), Deus tem o “sabor” de um vinho embriagador, mais saboroso que todos os festins da terra.
Bem o provou o João Baptista, o homem mais pobre do mundo. Passava noites inteiras sob o céu estrelado, exclamando, enquanto sentia uma sensação plenificante: “Meu Deus e meu Tudo”! Sentia aquilo que os sibaritas (individuos dados à luxuria e aos prazers) e amantes do mundo jamais suspeitariam: “Saciar-me-ás de prazer em Tua Presença, de delícias eternas à Tua direita” (Sl. 16).
4.     Quanto menos se ora, tanto “menos” Deus é Deus em nós
À medida que menos se ora, Deus vai-se esfumando num apagado afastamento. Lentamente vai-se convertendo em simples “ideia” sem sangue e sem vida. Não “dá gosto” estar, tratar, viver com uma “ideia”; também não há estímulo para lutar e superar-se. Assim, Deus vai deixando de ser Alguém e termina por diluir-se numa realidade ausente e longínqua.
Uma vez que nos deixamos cair nessa espiral, Deus lentamente deixa de ser Recompensa, Alegria, Delícia... e cada vez menos se “conta” com Ele. Assim, surge uma crise e já não se recorre a Deus, porque é uma palavra que já “significa” muito pouco para nós. Recorremos a meios psicológicos, ou simplesmente somos arrastados pela crise.
Enquanto se efectua este processo de decantação, o edifício do homem é simultaneamente assaltado pela serpente de mil cabeças que se chama egoísmo, e renascem os apetites do homem velho reclamando atenções. Porquê isso? Porque quando começa a faltar o centro de gravidade de uma vida e ao mesmo tempo se vão abrindo enormes vazios no interior, surgem as compensações humanas como mecanismos de defesa pela lei das mudanças. Com que finalidade? Para cobrír os vazios e escorar o edifício. O edifício chama-se sentido da vida ou também projecto de uma existência.
Quanto menos se ora, menos Deus tem sentido, e quanto menos sentido tem Deus, menos se recorre a Ele. Já não podemos sair da espiral da morte.
5.     Deixando de orar, Deus acabará por ser “Ninguém”
Se deixarmos de orar por muito tempo, Deus acabará por “morrer”, não em Si Mesmo, porque é substancialmente Vivo, Eterno e Imortal, mas no coração do homem. Deus “morreu” como uma planta ressequida que não foi regada.
Abandonada a fonte da vida, chega-se rapidamente a um ateísmo vital. Aqueles que chegam a esta situação, talvez não tenham proposto formalmente o problema intelectual da existência de Deus. Continuam a sustentar, talvez sentindo também, que a “hipótese” Deus é sempre válida, mas ajeitaram-se para viver como se Deus não existisse. Quer dizer, Deus já não é a Realidade próxima, concreta e arrebatadora. Já não é aquela Força Pascal que os tira dos recônditos dos seus egoísmos, para os lançar num perpétuo “êxodo” para um mundo de Liberdade, Humildade, Amor, Comprometimento. Sobretudo, eis o sinal inequívoco da agonia de Deus: o Senhor já não desperta Alegria no coração!
Acontece, às vezes, que a ausência de Deus pesa-lhes como um cadáver. Por isso passam a discutir, questionar e dialogar - com frequência e insistência como nunca antes - sobre a oração, sua natureza e necessidade. Isso pode ser um bom sinal. Poderá também significar que a sombra de Deus não os deixa em paz.
Com alegre superficialidade, divagam até ao infinito, sobre as novas formas de oração: que é preciso “desmitizar” o conceito de Deus, que a oração pessoal é tempo perdido, um desperdício egoísta e alienante, que vivemos em tempos secularizantes para os quais o elemento religioso caducou definitivamente. Numa palavra, a oração problematiza-se, intelectualiza-se. Mau sinal!
A oração é vida e a vida é simples - não fácil ­ e coerente. Quando deixa de ser vida convertemo-la numa complicação fenomenal… Pergunta-se, por exemplo: Como se deve orar nos nossos tempos? Pergunta sem sentido. Por acaso pergunta-se como se deve amar em nossos tempos? Ama-se - e ora-se - tal como há milhares de anos. Os factos da vida têm as suas raízes na substância imutável do homem.
Quando se apresenta esta situação existencial, rapidamente se desencadeia uma inversão de valores e uma alteração de planos. Não se tem de buscar Deus na montanha. Ele está no homem. É preciso superar a dicotomia entre a oração e a vida.
Quando vem a crise de Deus, começa-se a considerar tudo com os critérios da utilidade. A Bíblia recorda-nos que Deus está acima das categorias do útil e do inútil. No fundo, a Escritura afirma uma só coisa: Deus é, escolheu um povo, cujo destino final é proclamar a todos os povos e a todos os continentes que Deus é. “Serve” somente para adorá-Lo, agradecer-Lhe, louvá-Lo e para ser Sua testemunha. Se esquecermos este destino do Povo de Deus, andaremos sempre divagando aereamente.
Quando num crente se produz o vazio de Deus pelo abandono da oração, surge a necessidade de auto-afirmação, passando para actividades, por exemplo, do tipo político. Que aconteceu? Justificar-se-á com bonitas teologias, mas no fundo quer dar um sentido à sua vida, cobrir o vazio interior com uma ocupação, que certamente tem apoios bíblicos.
Não é o caso de todos, mas de muitos. Nunca falam da vida eterna, da alma, de Deus, mas de exploração e da injustiça social. É um facto sociológico amplamente verificado, que uma boa parte de tais crentes acaba por se secularizar. Não faltará quem diga que deram esse passo para se realizarem como homens e como cristãos. Razões para a exportação!
Se “aqui” foram incapazes de amar, “lá” continuarão igualmente incapazes e não encontrarão o centro.
Sei que o relacionamento com Deus pode converter-se em evasão. Este estudi, entretanto, mostra que os verdadeiros libertadores e os grandes comprometidos na Bíblia, foram os capazes de suportar o olhar de Deus no silêncio e na solidão. Decerto, não um Deus de doçuras, mas Aquele que incomoda, desinstala e empurra o adorador pela rampa da paciência e da humildade rumo à aventura da grande libertação dos povos. Se a contemplação não consegue esses efeitos, será qualquer outra coisa menos oração. Evasão e oração são incompatíveis.
6.     Que será da vida de um crente em cuja alma Deus desfaleceu?
Continuará a falar “de” Deus mas será incapaz de falar “com” Deus. As suas palavras serão palavras de bronze: farão barulho, mas não conterão nada, nem mensagem, nem vida, nem calor. Os crentes jamais verão na sua fronte o “fulgor de Deus” (Ex. 34:28). Dirão: procurávamos um profeta e encontrámos um funcionário. Os famintos e sedentos de Deus, que se aproximam dele, encontrarão um manancial esgotado. Não ressuscitará mortos nem curará enfermos. Definitivamente, não será um «enviado».
Não tomará nada a sério, porque quem não tomou a sério Deus, na realidade é um frívolo (sem importância, fútil). Ninguém será importante para ele, nem o pobre, nem o doente, nem o explorado, nem o amigo. Só ele será importante para si mesmo. É mais cómodo e menos comprometedor pôr-se de acordo consigo mesmo, que com Alguém que nos vem ao encontro e põe a descoberto tudo o que temos, fazemos e somos.
Quando num grupo de cristãos se analisam as causas da crise de oração, chama a atenção a frequente coincidência em fazer sobressair o seguinte: o medo de Deus. Em que sentido? Discorrem mais ou menos assim: se levo Deus a sério, a minha vida terá que ser outra. Deus desafiar-me-á a não confundir carisma com capricho, a abrir-me a este irmão com quem não simpatizo, a acabar com divertimentos inúteis, a aceitar este encargo, a terminar com aquela amizade, menos mundanismo, mais santidade, mais obediência... Numa palavra, fará de mim um arco retesado. Deus é algo sério. Melhor fazer-me de distraído com relação a Ele. É a frivolidade.
Afastado Deus, a vida é como uma flor que se desfolha. Tudo perde o sentido e acontece aquela terrível descrição de Nietzsche no seu livro “Assim falou Zaratustra”:
Não ouvistes falar daquele homem louco que em pleno dia acendeu uma lanterna, correu ao mercado e clamava continuamente: Procuro Deus, procuro. Deus? Como ali estavam reunidos muitos dos que não acreditavam em Deus, foi recebido com grandes gargalhadas. Um disse: Porque se perdeu? Outro respondia: Extraviou-se como uma criança. Outros ironizavam: Está escondido? Tem medo de nós? Embarcou? Emigrou? Assim riam e escarneciam todos.
O louco meteu-se entre eles e trespassando-os com o olhar, clamava: Para onde foi Deus? Vou dizer-vo-lo. Matámo-l'O, vocês e eu. Todos nós somos Seus assassinos. Está bem, mas pensemos: que fizemos? Que fizemos cortando as ligações que uniam esta terra com o Seu sol? Para onde vamos agora? Não estamos a escorregar continuamente para trás, para a frente, para um lado, em todas as direcções? Ainda há acima e abaixo? Andamos errantes através de um nada infinito? Não sentimos o sopro do vazio? Não sentimos um frio terrivel? Não está anoitecendo continuamente? Não é certo que precisamos de acender a lanterna em pleno dia?
O louco calou-se e olhou outra vez para os seus ouvintes. Também eles se calaram e olhavam para ele com estranheza”.
Deixámos que Deus “morresse”, mas nascem os monstros: o Absurdo, a Angústia, a Solidão, o Nada... Suprimindo Deus ficámos sem o único interlocutor que valia a pena. E a vida torna-se, uma “paixão inúti1”, como um relâmpago absurdo entre duas eternidades de escuridão.
Muitas vezes não consigo tirar da minha cabeça esta pergunta: Como será o fim de quem viveu como se Deus não existisse? E o momento culminante do sentido da vida. Quando percebem que não há outra esperança, que só lhes resta algumas semanas de vida, a quem recorrer? A quem oferecer esse holocausto? Onde entregar-se? A quem agarrar-se? Não haverá tábua de salvação.

    

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