Quando falamos
aqui de oração, falamos de um relacionamento afectuoso a sós com o Deus que
sabemos que nos ama; falamos de um avançar na intersubjectividade íntima e
profunda, em e com o Senhor que se nos oferece como companheiro de vida.
A oração é o
sublime meio de graça pelo qual estreitamos a nossa comunhão com Deus. É um
instrumento para confissão de pecados, para manifestação da nossa gratidão por
todas as bênçãos que o Senhor nos tem concedido por graça e por misericórdia,
além de ser um instrumento para afinar a nossa comunhão com o Senhor, pois no
momento da oração estamos entrando na presença de Deus, graças à mediação de
nosso Senhor Jesus Cristo. Estamos conversando “face a face” com Deus pela fé,
e nos habilitando para Deus falar connosco. Este estreitamento de comunhão nos
leva a algumas descobertas extremamente valorosas para a caminhada cristã.
A
oração constante e perseverante também atrai o poder de Deus para a vida do
crente capacitando-o para fazer a obra de Deus de uma forma que Lhe seja
agradável.
Na Bíblia encontramos
por diversas vezes o mandamento para perseverarmos na prática de algumas
virtudes da vida cristã, inclusive para perseverarmos na oração. “... perseverai na oração” (Rm. 12:12). “Perseverai em oração, velando nela com ação
de graças” (Cl. 4:2). “Orando em todo
o tempo com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a
perseverança e súplica por todos os santos” (Ef. 6:18). O Salvador, que
viveu uma vida de intensa oração, contou uma parábola para incentivar os seus
discípulos a perseverarem na oração. “E
contou-lhes também uma parábola sobre o dever de orar sempre, e nunca
desfalecer...” (Lc. 18:1-8). O desafio de Cristo para os seus discípulos é
que estes tenham bom ânimo no meio das aflições. Por isso precisamos de ser
reanimados sempre, no Senhor, através da comunhão na oração.
Observa-se na
vida dos crentes em geral que quando estão enfrentando alguma dificuldade
dedicam-se à oração. As dificuldades os levam a subir à casa do Senhor e a
frequentarem os cultos de oração da Igreja e a orarem em particular. Atendida a
necessidade, devagarzinho, vão deixando de perseverar em oração, pensando que a
oração só deve ser praticada para solução de problemas. Essa atitude é uma atitude
errada, pois, antes de ser um instrumento para a solução de problema a oração é
uma forma de adorarmos a Deus.
Quando buscamos a
Deus em oração e de todo coração, Deus em sua infinita graça renova as nossas
forças, podemos gozar da paz experimentada pelo profeta: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da
oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam
arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no
Senhor, exulto no Deus da minha salvação”. Tudo pode falhar; porém a
alegria e a esperança em Deus, jamais. A oração é o meio pelo qual o cristão
pode enfrentar os mais diversos desafios da vida sem ser dominado ou destruído
por estes. O apóstolo Paulo nos ensina em sua carta aos Filipenses, que é
possível viver contente em toda e qualquer situação, na certeza do poder que
nos fortalece. A paz e a alegria do cristão não podem depender das
circunstâncias. Quem vive na presença do Deus todo-poderoso, por meio de uma
vida constante de oração, certamente desfrutará da paz que, conforme Paulo, “excede todo entendimento”.
O grande desafio
do povo de Deus nos dias de hoje é enfrentar os desafios de sua caminhada
cristã sem esmorecer. A melhor maneira de se enfrentar desta forma é através de
uma vida de relacionamento íntimo com Deus. A igreja Primitiva foi alvo de
grande perseguição e é no meio da ferocidade dos inimigos do cristianismo que
nos deparamos com os mais belos testemunhos de fé e comunhão com Deus: Estevão
é um destes maravilhosos exemplos de vida cristã.
A oração é parte integrante da vida da
Igreja, é
uma das suas preocupações fundamentais. Não podemos ser discípulos de Jesus e
nem andar com Deus se não aprendermos a orar. Para aprendermos precisamos de começar
a praticar. A prática nos ajudará a orarmos cada vez mais e melhor. Precisamos de
tomar a decisão de ter uma vida de oração e ter atitude. Deus vai operando
normalmente na história da humanidade, mas a igreja torna-se participante do
agir de Deus à medida que se compromete com ele em oração. Orar não é uma
prática simples ou corriqueira; oração é uma atividade que exige esforço
daquele que está comprometido com Deus e sua obra.
No reino espiritual não se consegue
fazer muita coisa a não ser quando se vive uma vida de constante oração. O
diabo sabe disso e faz tudo para tirar o crente do lugar da oração. Ele buzina
nos ouvidos dos crentes amplificando o desânimo e o cansaço, fazendo com que
seja um peso em suas vidas ou lhes apresenta coisas interessantes, bonitas,
atraentes como um programa de televisão, um momento de lazer, etc. Há ainda
aquelas situações em que nós mesmos colocamos sobre nós uma carga excessiva de
trabalho quer se tratando de afazeres domésticos quer se tratando do nosso
“ganha pão”, e dizemos que não temos tempo para estar aos pés de Jesus, juntos
com os nossos irmãos, orando por nós mesmos, por nossas família, pela Igreja e
pela salvação das almas perdidas.
Diante disso, amados, lutemos para perseverar em
oração, independente de circunstâncias, pois há um poder extraordinário na
súplica de um crente. (Veja Tg. 5:16).
1.
Quanto mais se ora, mais se quer orar
Tendo em conta o
que vem de Deus para nós e o que vai de nós para Deus, até o mais desatento se
apercebe da desproporção. O salvo deve entender que a sua alma respira a
oração, necessita da oração para viver uma vida de comunhão com Deus e para
viver uma vida cristã frutífera. Mesmo que orássemos a vida toda, seria sempre
pouco. Portanto, no que toca à oração, nunca se peca por excesso. Acresce que,
na hora presente, se há algum problema neste domínio, não é de excesso; é de
défice. Era isso que os irmãos antigos entendiam, pois, estavam sempre se
reunindo para orar a Deus. “Todos estes
perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de
Jesus, e com seus irmãos” (At. 1:14). “E
perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e
nas orações” (At. 2:42).
A oração leva a alma a uma boa
disposição. Primeiro, ela nos ensina a reconhecer melhor Deus como o livre
Doador, que não tem nenhuma obrigação para connosco; que pode dar ou não; e se
Ele dá, é somente devido à Sua bondade. Em segundo lugar, ela fará com que o
suplicante seja mais humilde, visto que ele percebe que é indigno de todas as
graças e bênçãos: “O pobre fala com
súplicas” (Pv. 18:23). Estimaremos uma bênção muito mais se a tivermos
recebido sob muitas orações, e teremos mais alegria se percebermos em tudo isso
que, Deus respondeu às nossas orações.
Toda a potência
viva é expansiva. O homem, a nível simplesmente humano, tem uma tensão interior
que o faz aspirar por distâncias inalcançáveis; qualquer meta atingida deixa-o,
como um arco tenso, sempre insatisfeito. O que é a nostalgia? Uma busca
interminável de uma plenitude que nunca chegará.
No meio da
criação, o homem aparece e constitui uma unidade; a acção, o pensamento e o
sentimento em unidade com todo o ser. Então este ser vivente é a expressão ou
transcrição do Criador eterno e incorpório em termos de uma existência
temporal, corpória e própria de uma criatura. Neste sentido a semelhança viveu
à queda. Enquanto humanos somos por definição, à imagem de Deus. Mas a
semelhança espiritual – numa palavra, amor – só pode estar presente onde Deus e
o homem estiverem em comunhão.
Todavia, o homem
aparece como um ser estranho, como um “caso de emergência”: possui faculdades
que foram estruturadas para esta ou aquela função; cumprida a função,
conseguido o objectivo, sente que algo lhe falta. Pensemos, por exemplo, no
apetite sexual ou na sede de riqueza; satisfeitas as exigências, o homem continua
“faminto” e depois de cada satisfação obtida lança-se em busca de novas
riquezas ou novas sensações.
A nível
espiritual, o homem é como uma seta disparada em, direcção a um universo (Deus)
que, como centro de gravidade, exerce uma atracção irresistível, e quanto mais
se aproxima desse universo, maior velocidade adquire. Quanto mais se ama a
Deus, mais se quer amá-Lo. Quanto mais conversamos com Ele, mais vontade temos
de com Ele conversar. A atracção para Ele está na proporção da proximidade
d'Ele.
Sem o
percebermos, sob todas as nossas insatisfações, corre uma torrente que se
dirige para Aquele que se apresenta como “Eu Sou”, o único capaz de concentrar
as forças do homem e de acalmar as suas quimeras.
“Ó Deus, tu és o meu Deus, eu Te busco
ansiosamente; a minha alma tem sede de ti, o meu corpo Te deseja muito em uma
terra seca e cansada, onde não há água” (Sl. 63).
Existe a lei do
treino, válida para os desportos atléticos e válida também para os desportos do
espírito. Quanto mais treino, mais e melhores resultados. Se me dizem, de
repente, para fazer uma caminhada de 30 quilómetros a pé, hoje eu não seria
capaz. Mas se treinar diariamente, fazendo longas caminhadas, depois de alguns
meses não teria dificuldade alguma em percorrer os trinta quilómetros. Como se
explica isso? Tinha capacidades atléticas que estavam adormecidas, talvez
atrofiadas, por falta de activação. Postas, em acção, despertaram e
desenvolveram-se.
Do mesmo modo,
temos na alma capacidades que podem estar eventualmente adormecidas, por falta de
treino. Deus pôs no fundo da nossa vida um germe que é um Dom-Potência, capaz
de uma floração admirável. É uma aspiração profunda e filial que nos faz
suspirar e aspirar por Deus-Pai. Se pomos em movimento essa aspiração, na
medida em que “conhecemos” o nosso alvo e nos aproximamos do seu centro, mais
intensa será a aspiração, maior o atractivo para o nosso alvo e maior a
velocidade.
Está comprovado
pela experiência diária: quem quer que tenha tratado intimamente com o Senhor,
a sós, por alguns dias, quando volta à vida normal sente um novo atractivo que
o arrastará ao encontro com Deus com maior intensidade. A oração e a adoração
serão um festim, porque então sentir-se-á “cheio” de Deus. Deste modo, vai-se
tornando mais intenso o atractivo de Deus, que nos impelirá com maior força
para Ele, enquanto o mundo e a vida se irão “povoando” de Deus.
Tudo isso está
comprovado na Bíblia. O autor dos Salmos sente-se sequioso de Deus, como uma
terra ressequida, como uma corça que corre para a fonte de água fresca (Sl. 42).
O anseio que se expressa naquele versículo não é o tatear de um estranho que
procura achar Deus, é a impaciência de um amigo, de alguém que ama, para estar
em contacto com aquele que tanto preza. A simplicidade e a intrepidez de Tu és meu Deus é o segredo de tudo o que
se segue, pois este relacionamento é o âmago da aliança, desde o tempo dos
patriarcas até o dia de hoje.
Levanta-se no
meio da noite, como um amante para “estar” com o Amado. Aqui, sua realidade se
mostra no amor que despertou na alma e no
corpo, isto é, na totalidade do ser de Davi, que se sente profundamente
inquieto e insatisfeito sem Deus. Jesus “rouba” as horas de descanso e de sono
e vai para os montes para “passar” a noite com o Pai.
Guardado pelos
SS, suspeitando da sua morte próxima, escrevia Bonhoeffer a um amigo: “No dia
do meu enterro, gostaria que me cantassem: Umá
só coisa peço ao Senhor, habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida”.
Cumpre-se a lei:
quanto maior a proximidade, maior a velocidade, exactamente como com a lei
física da atracção das massas. Aumenta a atracção na medida em que é maior o
volume das massas e maior a proximidade das mesmas.
Se somos
sinceros, se olhamos sem pestanejar para a nossa própria história com Deus,
experimentamos também que Deus é como um abismo que atrai e cativa e que,
quanto mais nos aproximamos, mais nos prende e embriaga.
“Ó Trindade eterna! És um mar insondável em
que, quanto mais me aprofundo, mais te encontro; e quanto mais te encontro mais
te procuro ainda. De Ti jamais se pode dizer: basta: A alma que se sacia em
tuas profundezas, deseja-te sem cessar porque sempre está faminta de Ti; está
sempre desejosa de ver a tua luz na tua luz.
Poderás
dar-me algo mais do que dar-te a ti mesmo? Tu és o fogo que sempre arde sem
jamais se consumir, Tu és o fogo que consome em si todo o amor-próprio da alma;
Tu és luz acima de toda a Luz.
Tu
és o vestuário que cobre a nudez, o alimento que alegra com a sua doçura a
todos os que têm fome.
Reveste-me,
Trindade eterna, reveste-me de ti mesma para que eu passe esta vida na
verdadeira obediência e na luz da fé com que embriagaste a minha alma”.
2.
Quanto menos se orar menos vontade há-de orar
Existe
uma doença chamada anemia. É uma enfermidade particularmente perigosa porque
não produz sintomas espectaculares, e a morte chega em silêncio, sem espasmos.
Consiste nisto: quanto menos se come, menos apetite há; quanto menos apetite,
menos se come, e sobrevém a anemia aguda. Assim se abre e se fecha num círculo,
o círculo da morte.
Na vida interior
também se apresenta o mesmo ciclo. Começa-se por deixar de orar por razões
válidas, pelo menos aparentemente válidas. Em vez de se dirigirem do Uno (Único
Deus) para o múltiplo (que não é simples nem único) como portadores de Deus, os
crentes são envolvidos, fechados e presos pelo múltiplo, enchendo o seu
interior de frio e de dispersão.
Desse modo
começa a penetrar no interior do crente, como uma noite lenta, a dificuldade em
concentrar-se no Uno e Único. À medida que for aumentando a dispersão interior,
surgirão novos motivos para abandonar o relacionamento com Deus. O gosto por
Deus vai-se debilitando na medida em que cresce o gosto pela multiplicidade
dispersiva (pessoas, acontecimentos, sensações fortes); começa a declinar a
fome de Deus na medida em que aumenta a dificuldade para “estar” alegremente
com Ele. Entramos na espiral.
Aberto esse
círculo, encontramo-nos numa verdadeira descida: enquanto nos vamos desligando
do absolutamente Único, vamos sendo tomados pelos “outros”. Isto é, enquanto o
mundo e os homens me chamam e parecem esgotar o sentido da minha vida, Deus é
uma palavra que cada vez mais se vai esvaziando de sentido, até que, por fim,
acaba por parecer algo sem interesse que se tem na mão; olhamos, voltamos a
olhar e perguntamo-nos: para quê isto? Já não serve. Fechou-se o círculo,
chegou a anemia aguda, entramos na recta final da morte, da morte de Deus na nossa
vida.
Existe
também a enfermidade chamada atrofia. Nesta doença, a morte chega mais
silenciosa ainda. Explico-me. Toda a vida é explosão, expansão, adaptação; numa
palavra: movimento. Esse movimento
não é mecânico, mas dinamismo interno. Se essa tensão dinâmica for sufocada ou
detida, deixará automaticamente de ser vida. Não é preciso um agente externo e
mortífero para provocar um desastre. O ser vivo deixa de estar vivo desde o
instante em que deixa de ser movimento.
Na vida interior
acontece o mesmo. A graça é essencialmente vida, e dá à alma a faculdade de
reagir dinamicamente aos dons de Deus, de mover-se para Ele, de O conhecer
directamente como Ele se conhece, de O amar como Ele se ama. Em resumo, essa
graça-vida estabelece entre Deus e a alma uma corrente dinâmica, reciprocidade
de “conhecimento” e de amor.
Essa graça que é
Dom-Potência é por sua vez expansiva e fermentadora. E como o fermento que a
mulher juntou a três medidas de farinha, e levedou toda a massa. Enxertada na
natureza humana, essa graça, por ser vida, tende a conquistar novas zonas no
nosso interior, interpenetra progressivamente as faculdades, domina as
tendências egoístas e, uma vez libertadas, submete-as ao beneplácito divino até
que o ser inteiro pertença completamente ao Unico e Absoluto. Essa é a breve
história de um Dom-Potência, infundido no âmago da alma.
Mas, se essa
graça deixa de “mover-se”, também deixa de viver. Se essa vida não marchar
ascendente e expansivamente, tomará o caminho da morte por efeito da atrofia.
Também
para a vida do espírito existe a “esclerose”. Se os “tecidos” das faculdades
interiores não forem submetidos a exercício, rapidamente sobrevêm a rigidez e o
endurecimento. Ao orar pouco, sentimos que há dificuldades em orar, que as
faculdades interiores estão endurecidas. E ao sentir a dificuldade, sentimo-nos
inclinados a abandonar a oração, pela lei do menor esforço. E esse grande “Dom-Potência”
simplesmente “inibe-se”, a sua vitalidade toma o caminho da inacção, da
imobilidade e da morte.
Tenho a
impressão de que entre os crentes, há quem tenha recebido um “forte apelo” para
uma vida profunda com Deus, e de que esse “apelo” está enlanguescendo
(Enfraquecendo, debelitando, perdendo as forças) por uma história que se repete
frequentemente: deixaram de orar, abandonaram os actos do amor, deram pouco
valor aos mandamentos do Senhor, desleixaram a oração pessoal, disseram que é
preciso procurar a Deus no homem, e deixaram Deus para procurar a Deus...
Conheci casos que ainda agora me entristecem: o caso de irmãos e irmãs que
outrora “tiveram” uma atracção pouco comum pelo Senhor, atracção que, bem
cultivada, poderia ter proporcionado à sua vida um grande voo. Entretanto, hoje
estão frios e porque não dizê-lo: estão tristes.
Efectivamente, vemos muitos e muitas dominados por
algo que poderíamos chamar frustração, e não sabem porquê. Para mim a
explicação é muito clara: lá no fundo de si mesmos, muitas camadas abaixo do
seu consciente, estão sofrendo aquele “forte apelo” que é feito para alguns e
para outros não. Uma vida que poderia ter florescido e ficou só como
possibilidade.
3. Quanto mais se ora “mais” Deus é Deus
em nós
Deus não muda. É
o definitivamente Pleno, portanto, Imutável. Está, pois, inalteravelmente
presente em nós, e não admite diferentes graus de presença. O que realmente
muda são as nossas relações com Ele, conforme o nosso grau de fé e amor. A
oração torna mais firmes essas relações, produz uma penetração mais entranhável
do Eu-Tu através da experiência afectiva e do conhecimento fruitivo, e a
semelhança e a união com Ele, chegam a ser cada vez mais profundas.
Acontece como um
archote dentro de uma sala escura. Quanto mais o archote alumia, melhor se vê a
feição da sala, a sala faz-se “presente” ainda que não tenha mudado.
Podemos provar
pela experiência que, quanto mais profunda é a oração, mais sentimos a presença
de Deus patente e vivo. E quanto mais resplandece a Glória do Rosto do Senhor
sobre nós (Sl. 4:6), mais os acontecimentos ficam envoltos em novo significado
(Sl. 36) e a história fica “povoada” por Deus. Numa palavra, o Senhor faz-se “vivamente
presente” em tudo. Não há jogo de azar, mas um timoneiro que conduz os factos
com mão firme.
Quando alguém já
“esteve” com Deus, Ele cada vez mais vai sendo “Alguém” por quem e com quem se
superam as dificuldades e se vencem as repugnâncias (estas convertem-se em
doçuras). Assumem-se com alegria os sacrifícios, nasce em toda a parte o amor.
Quanto mais se “vive” com Deus, mais vontade há de estar com Ele, e quanto mais
se “está” com Deus, Deus é cada vez mais “Alguém”. Abriu-se o círculo da vida.
Na medida em que
o contemplador avança nos mistérios de Deus, Deus deixa de ser ideia para se
converter em Transparência e começa a ser Liberdade, Humildade, Prazer, Amor e
progressivamente se transforma em Força irresistível e modificadora, que tira
todas as coisas dos seus lugares: onde havia violência, põe suavidade; onde
havia egoísmo, põe amor e muda por completo “a face” do homem.
Se o
contemplador continua a avançar pelas obscuras rotas do mistério de Deus,
forças desconhecidas activadas pelo Amor empurram a alma para dentro do Deus
vivo, por uma rampa totalizadora em que Deus vai sendo cada vez mais o Todo, o
Unico e o Absoluto, como num torvelinho em que o homem inteiro é apanhado e arrastado
enquanto se purifica e as escórias egoístas são queimadas. Deus acaba por
transformar o homem contemplador numa tocha que arde, ilumina e resplandece
(Jo. 5:35). Pensemos em Elias, João Baptista e outros...
Não podemos
dizer: isso não é para mim. Tudo depende da altura, ou melhor, da profundidade
da contemplação em que nos encontramos. Aqueles profetas não foram excepcionais
por nascimento ou por casualidade, mas porque se entregaram incondicionalmente
e se deixaram arrastar cada vez mais para dentro. É verdade que essa entrega
exigiu deles um estado interior de alta tensão, mas o escultor de tais figuras
foi, é e será Deus. Não pensemos só nos tempos passados. Hoje em dia, há entre
nós homens que são viva transparência de Deus.
Mas não termina
aqui o processo totalizador. Tanto quanto o contemplador se deixa “tomar”, Deus
monopoliza nesse homem a função de bem que contém todas as realidades humanas,
as quais tendem a converter-se em Todo o Bem: para esse homem, Deus “vale” por
uma esposa carinhosa, por um bom irmão, por um pai solícito, por uma fazenda de
mil hectares ou por um palácio fantástico (Mt. 12:46-50; Lc. 8:19-21; Mc. 3:31-34).
Numa palavra, Deus converte-se na Grande Recompensa, num Festim, num Banquete
(Ex. 19:5; Jr. 24:7); Ez. 37:27). “Tu és
o meu Bem” (Sl. 16). “O teu Nome é o
meu Prazer cada dia” (Sl. 89).
É isso que o
salmista expressa admiravelmente quando diz: “Mas tu, Senhor, puseste no meu coração mais alegria do que quando
abundam o trigo e o vinho” (Sl. 4:7). O “trigo e o vinho” simbolizam todas
as compeensações, emoções e prazeres que o coração humano pode desejar. Para o
homem contemplador, que “saboreou quão
suave é o Senhor” (Sl. 34), Deus tem o “sabor” de um vinho embriagador,
mais saboroso que todos os festins da terra.
Bem o provou o João Baptista, o homem mais pobre do
mundo. Passava noites inteiras sob o céu estrelado, exclamando, enquanto sentia
uma sensação plenificante: “Meu Deus e
meu Tudo”! Sentia aquilo que os sibaritas (individuos dados à luxuria e aos
prazers) e amantes do mundo jamais suspeitariam: “Saciar-me-ás de prazer em Tua Presença, de delícias eternas à Tua
direita” (Sl. 16).
4.
Quanto menos se ora, tanto “menos” Deus é Deus em
nós
À medida que
menos se ora, Deus vai-se esfumando num apagado afastamento. Lentamente vai-se
convertendo em simples “ideia” sem sangue e sem vida. Não “dá gosto” estar,
tratar, viver com uma “ideia”; também não há estímulo para lutar e superar-se.
Assim, Deus vai deixando de ser Alguém e termina por diluir-se numa realidade
ausente e longínqua.
Uma vez que nos
deixamos cair nessa espiral, Deus lentamente deixa de ser Recompensa, Alegria, Delícia...
e cada vez menos se “conta” com Ele. Assim, surge uma crise e já não se recorre
a Deus, porque é uma palavra que já “significa” muito pouco para nós.
Recorremos a meios psicológicos, ou simplesmente somos arrastados pela crise.
Enquanto se
efectua este processo de decantação, o edifício do homem é simultaneamente
assaltado pela serpente de mil cabeças que se chama egoísmo, e renascem os apetites
do homem velho reclamando atenções. Porquê isso? Porque quando começa a faltar
o centro de gravidade de uma vida e ao mesmo tempo se vão abrindo enormes
vazios no interior, surgem as compensações humanas como mecanismos de defesa
pela lei das mudanças. Com que finalidade? Para cobrír os vazios e escorar o
edifício. O edifício chama-se sentido da vida ou também projecto de uma
existência.
Quanto menos se ora, menos Deus tem sentido, e
quanto menos sentido tem Deus, menos se recorre a Ele. Já não podemos sair da
espiral da morte.
5.
Deixando de orar, Deus acabará por ser “Ninguém”
Se deixarmos de
orar por muito tempo, Deus acabará por “morrer”, não em Si Mesmo, porque é
substancialmente Vivo, Eterno e Imortal, mas no coração do homem. Deus “morreu”
como uma planta ressequida que não foi regada.
Abandonada a
fonte da vida, chega-se rapidamente a um ateísmo vital. Aqueles que chegam a
esta situação, talvez não tenham proposto formalmente o problema intelectual da
existência de Deus. Continuam a sustentar, talvez sentindo também, que a “hipótese”
Deus é sempre válida, mas ajeitaram-se para viver como se Deus não existisse.
Quer dizer, Deus já não é a Realidade próxima, concreta e arrebatadora. Já não
é aquela Força Pascal que os tira dos recônditos dos seus egoísmos, para os
lançar num perpétuo “êxodo” para um mundo de Liberdade, Humildade, Amor,
Comprometimento. Sobretudo, eis o sinal inequívoco da agonia de Deus: o Senhor
já não desperta Alegria no coração!
Acontece, às
vezes, que a ausência de Deus pesa-lhes como um cadáver. Por isso passam a
discutir, questionar e dialogar - com frequência e insistência como nunca antes
- sobre a oração, sua natureza e necessidade. Isso pode ser um bom sinal.
Poderá também significar que a sombra de Deus não os deixa em paz.
Com alegre
superficialidade, divagam até ao infinito, sobre as novas formas de oração: que
é preciso “desmitizar” o conceito de Deus, que a oração pessoal é tempo
perdido, um desperdício egoísta e alienante, que vivemos em tempos
secularizantes para os quais o elemento religioso caducou definitivamente. Numa
palavra, a oração problematiza-se, intelectualiza-se. Mau sinal!
A oração é vida
e a vida é simples - não fácil e coerente. Quando deixa de ser vida
convertemo-la numa complicação fenomenal… Pergunta-se, por exemplo: Como se
deve orar nos nossos tempos? Pergunta sem sentido. Por acaso pergunta-se como
se deve amar em nossos tempos? Ama-se - e ora-se - tal como há milhares de
anos. Os factos da vida têm as suas raízes na substância imutável do homem.
Quando se
apresenta esta situação existencial, rapidamente se desencadeia uma inversão de
valores e uma alteração de planos. Não se tem de buscar Deus na montanha. Ele
está no homem. É preciso superar a dicotomia entre a oração e a vida.
Quando vem a
crise de Deus, começa-se a considerar tudo com os critérios da utilidade. A
Bíblia recorda-nos que Deus está acima das categorias do útil e do inútil. No
fundo, a Escritura afirma uma só coisa: Deus é, escolheu um povo, cujo destino
final é proclamar a todos os povos e a todos os continentes que Deus é. “Serve”
somente para adorá-Lo, agradecer-Lhe, louvá-Lo e para ser Sua testemunha. Se
esquecermos este destino do Povo de Deus, andaremos sempre divagando
aereamente.
Quando num crente
se produz o vazio de Deus pelo abandono da oração, surge a necessidade de
auto-afirmação, passando para actividades, por exemplo, do tipo político. Que
aconteceu? Justificar-se-á com bonitas teologias, mas no fundo quer dar um
sentido à sua vida, cobrir o vazio interior com uma ocupação, que certamente
tem apoios bíblicos.
Não é o caso de
todos, mas de muitos. Nunca falam da vida eterna, da alma, de Deus, mas de
exploração e da injustiça social. É um facto sociológico amplamente verificado,
que uma boa parte de tais crentes acaba por se secularizar. Não faltará quem
diga que deram esse passo para se realizarem como homens e como cristãos.
Razões para a exportação!
Se “aqui” foram
incapazes de amar, “lá” continuarão igualmente incapazes e não encontrarão o
centro.
Sei que o relacionamento com Deus pode converter-se
em evasão. Este estudi, entretanto, mostra que os verdadeiros libertadores e os
grandes comprometidos na Bíblia, foram os capazes de suportar o olhar de Deus
no silêncio e na solidão. Decerto, não um Deus de doçuras, mas Aquele que
incomoda, desinstala e empurra o adorador pela rampa da paciência e da
humildade rumo à aventura da grande libertação dos povos. Se a contemplação não
consegue esses efeitos, será qualquer outra coisa menos oração. Evasão e oração
são incompatíveis.
6.
Que será da vida de um crente em cuja alma Deus
desfaleceu?
Continuará a
falar “de” Deus mas será incapaz de falar “com” Deus. As suas palavras serão
palavras de bronze: farão barulho, mas não conterão nada, nem mensagem, nem
vida, nem calor. Os crentes jamais verão na sua fronte o “fulgor de Deus” (Ex.
34:28). Dirão: procurávamos um profeta e encontrámos um funcionário. Os
famintos e sedentos de Deus, que se aproximam dele, encontrarão um manancial
esgotado. Não ressuscitará mortos nem curará enfermos. Definitivamente, não
será um «enviado».
Não tomará nada
a sério, porque quem não tomou a sério Deus, na realidade é um frívolo (sem
importância, fútil). Ninguém será importante para ele, nem o pobre, nem o
doente, nem o explorado, nem o amigo. Só ele será importante para si mesmo. É
mais cómodo e menos comprometedor pôr-se de acordo consigo mesmo, que com
Alguém que nos vem ao encontro e põe a descoberto tudo o que temos, fazemos e
somos.
Quando num grupo
de cristãos se analisam as causas da crise de oração, chama a atenção a
frequente coincidência em fazer sobressair o seguinte: o medo de Deus. Em que
sentido? Discorrem mais ou menos assim: se levo Deus a sério, a minha vida terá
que ser outra. Deus desafiar-me-á a não confundir carisma com capricho, a
abrir-me a este irmão com quem não simpatizo, a acabar com divertimentos
inúteis, a aceitar este encargo, a terminar com aquela amizade, menos
mundanismo, mais santidade, mais obediência... Numa palavra, fará de mim um
arco retesado. Deus é algo sério. Melhor fazer-me de distraído com relação a
Ele. É a frivolidade.
Afastado Deus, a
vida é como uma flor que se desfolha. Tudo perde o sentido e acontece aquela
terrível descrição de Nietzsche no seu livro “Assim falou Zaratustra”:
“Não ouvistes falar daquele homem louco que
em pleno dia acendeu uma lanterna, correu ao mercado e clamava continuamente:
Procuro Deus, procuro. Deus? Como ali estavam reunidos muitos dos que não
acreditavam em Deus, foi recebido com grandes gargalhadas. Um disse: Porque se
perdeu? Outro respondia: Extraviou-se como uma criança. Outros ironizavam: Está
escondido? Tem medo de nós? Embarcou? Emigrou? Assim riam e escarneciam todos.
O
louco meteu-se entre eles e trespassando-os com o olhar, clamava: Para onde foi
Deus? Vou dizer-vo-lo. Matámo-l'O, vocês e eu. Todos nós somos Seus assassinos.
Está bem, mas pensemos: que fizemos? Que fizemos cortando as ligações que uniam
esta terra com o Seu sol? Para onde vamos agora? Não estamos a escorregar
continuamente para trás, para a frente, para um lado, em todas as direcções?
Ainda há acima e abaixo? Andamos errantes através de um nada infinito? Não
sentimos o sopro do vazio? Não sentimos um frio terrivel? Não está anoitecendo
continuamente? Não é certo que precisamos de acender a lanterna em pleno dia?
O
louco calou-se e olhou outra vez para os seus ouvintes. Também eles se calaram
e olhavam para ele com estranheza”.
Deixámos que
Deus “morresse”, mas nascem os monstros: o Absurdo, a Angústia, a Solidão, o Nada...
Suprimindo Deus ficámos sem o único interlocutor que valia a pena. E a vida torna-se,
uma “paixão inúti1”, como um relâmpago absurdo entre duas eternidades de
escuridão.
Muitas vezes não
consigo tirar da minha cabeça esta pergunta: Como será o fim de quem viveu como
se Deus não existisse? E o momento culminante do sentido da vida. Quando
percebem que não há outra esperança, que só lhes resta algumas semanas de vida,
a quem recorrer? A quem oferecer esse holocausto? Onde entregar-se? A quem
agarrar-se? Não haverá tábua de salvação.
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